Vocalização de cetáceos e interferência humana

O aumento dos ruídos no ambiente marinho, ocasionado principalmente pelo tráfego de embarcações, altera a vocalização e a interação entre os cetáceos
Carina Francisco Falasco
cafalasco@hotmail.com

DOI: 10.4322/temasbio.n2.021

Na água, o som se propaga mais rápido e a maiores distâncias do que no meio terrestre. As baleias e os golfinhos, representantes dos cetáceos, aproveitam-se dessa situação apresentando a audição bem desenvolvida e a capacidade de transmitir sons variados através das vocalizações. O ouvido é capaz de indicar claramente a direção do som na água, e esses mamíferos marinhos podem ouvir e emitir uma gama de sons muito maior do que o ouvido humano pode captar.

Através das vocalizações, ocorre a atração de parceiros sexuais, a sinalização da posição no grupo e a interação com os filhotes, e são coordenados os ataques a presas. É escutando e vocalizando que esses animais também se orientam espacialmente, estimam sua profundidade e distância da costa e diferenciam regiões rasas das mais profundas.

 

Ultra-sons são ouvidos por Odontocetos e infra-sons por Misticetos. Fonte: www.aulas-fisica-quimica.com

Nos odontocetos, subordem dos cetáceos que designa as baleias dentadas com apenas um orifício respiratório (em geral, espécies de golfinhos, cachalotes, baleia bicuda e a orca), há hipóteses de que a produção de sons seja feita pela passagem de ar por sacos nasais. Esses sons são caracterizados por uma sequência de assobios, cliques e sons pulsantes em alta frequência. Os assobios e sons pulsantes parecem desempenhar funções comunicativas, e os cliques são relacionados com a ecolocação animal. Na ecolocação, os sons emitidos funcionam como sonar biológico. Eles batem no objeto e ecoam, sendo captados pela mandíbula e passados ao ouvido, que codifica e manda as informações para o cérebro, possibilitando a localização do animal e a análise do que está à sua volta.

A audição em cetáceos também ocorre de forma distinta. O canal auditivo é muito estreito e perde sua função condutiva primária por ser obstruído por cera. A transmissão do som é canalizada do ambiente para o ouvido médio através da maxila inferior. O canal central da maxila é preenchido por gordura, que junto com uma camada óssea conduz o som para a placa timpânica. A espessura e a largura da membrana basilar no ouvido estão relacionadas com a capacidade auditiva. Quanto mais espessa, dura e estreita for a membrana, maior a habilidade do animal para ouvir altas frequências, como ocorre com os odontocetos, e quanto mais ampla, fina e elástica, maior a habilidade de ouvir baixas frequências, como é o caso dos misticetos.Na outra subordem, a dos misticetos, que possuem barbatanas córneas na maxila superior e dois orifícios respiratórios (baleias, dentre elas baleia azul, baleia cinzenta, baleia jubarte e baleia franca), acredita-se que a laringe e as cavidades cranianas estejam envolvidas na produção de som, pois esses animais não possuem sacos nasais. Na maioria das vezes, são emitidos sons de baixa frequência. As baleias jubarte são as que mais emitem sons entre as grandes baleias, e os sons de baixa frequência são feitos durante a migração de inverno, ou no verão para se alimentarem. 

Pesquisadores utilizam como equipamento típico para estudar os sons desses animais um microfone e um aparelho de gravação. Os microfones precisam ser apropriados para a captação de sons ultrassônicos e debaixo da água. As gravações necessitam hardware e software específicos para que os sinais sejam reproduzidos, visualizados e analisados. Com a ajuda desses equipamentos, é possível analisar o problema das atividades humanas, como a navegação com barcos motorizados e a prospecção de petróleo em lugares profundos, que a cada dia alteram mais o jeito desses animais interagirem através da vocalização. 

Em diversos locais do mundo, tem-se verificado a ocorrência de alterações na vocalização de espécies de cetáceos, e até danos mais graves em ruídos intensos. Baleias, que antes se comunicavam em distâncias maiores, tiverem de reduzir a distância, aumentar a amplitude ou frequência dos sons, modificar o comportamento ou até mudar o habitat para uma comunicação efetiva.

             Audição em cetáceos. Fonte: http://www.moreirajr.com.br/

Nos últimos anos, por exemplo, tem-se verificado que baleias-francas e orcas da costa dos Estados Unidos e Canadá estão mudando seu padrão de vocalização em virtude da crescente poluição sonora. Em 2000, após a Marinha Americana realizar um teste com sonar, 16 baleias e um golfinho encalharam na praia nas Bahamas. Um sonar pode produzir um som de 235 decibéis, 85 a mais que os gerados na decolagem de um jato. Pesquisadores do Instituto Earthwatch (EUA) encontraram danos internos nos animais relacionados com a exposição a esse tipo de barulho.

Em outra pesquisa, no ano de 2001, a investigadora e veterinária Roz Rolland, do Aquário de Nova Inglaterra, recolhia fezes de baleias-francas na Baía de Fundy, no Canadá, com o objetivo de realizar testes de gravidez e estudar a reprodução dos animais. Mas as fezes, além de indicar gravidez, revelaram também os níveis de estresse. Após o dia 11 de setembro de 2001, o atentado ao World Trade Center provocou diminuição drástica do tráfego marítimo na costa norte atlântica da América do Norte. Em geral, diminuíram os ruídos em seis decibéis, e verificou-se também a diminuição dos níveis hormonais relacionados ao estresse das baleias.

Como vemos, há várias evidências que comprovam o efeito maléfico da produção de ruídos causada pela interferência humana para os cetáceos. A ONU, Organização das Nações Unidas, já pediu aos governos e indústrias para adotarem motores mais silenciosos e alarmes menos danosos nos navios, além de medidas relacionadas ao uso de testes sísmicos para a prospecção de petróleo e gás, porém as medidas adotadas são poucas e em muitos lugares nem existem. 

 

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