Você é o que você come...e o que suas bactérias produzem

Ainda não se sabe tudo que precisamos para sermos felizes, mas com certeza suas bactérias intestinais fazem parte da equação!
Isabella Barichello Giordano
Mariana Borges Costa
Francielle Dias de Oliveira
isabarichello@gmail.com

DOI: 10.4322/temasbio.n3.005

Suas bactérias, quem diria, podem dizer muito sobre sua saúde mental. Há décadas é sabido que bactérias patológicas influenciam no comportamento humano, especialmente bactérias que podem invadir diretamente o sistema nervoso. Entretanto, crescentes evidências apontam que interações não patogênicas entre microrganismos e o homem podem também influenciar o nosso humor e nossa saúde mental e psicológica. A habilidade que têm os probióticos (microorganismos vivos que podem conferir um benefício à saúde do hospedeiro) intestinais de afetar o cérebro, de forma não infecciosa, parece ser devido à sua capacidade em produzir moléculas neurotransmissoras estruturalmente semelhantes àquelas produzidas pelo sistema nervoso humano.

 

Neurotransmissores

Os neurotransmissores (substância produzida pelos neurônios), especialmente aqueles correlacionados a doenças infecciosas ou ao estresse, tornaram-se cada vez mais objetos de estudos após o primeiro relato documentando a capacidade desses compostos em estimular diretamente o crescimento bacteriano e em alterar a produção do fator de virulência.  

No início de 1990, surge então, a endocrinologia microbiana, que resumidamente, representa o estudo de interações da neurofisiologia humana com a microbiota.

Esses neurotransmissores são de extrema importância para os seres vivos, pois sua função é estimular ou inibir alguma resposta de uma célula para outra, em outras palavras, é o mediador de informações.  São produzidos, geralmente, pelas células nervosas e estão presentes em todo o corpo, visto que fazem parte do sistema nervoso. Porém, existe um órgão altamente enervado e que possui seu próprio Sistema Nevoso Central: o intestino.    

O tecido epitelial que reveste o intestino conta com sensores químicos luminais, que podem reconhecer e serem estimulados por compostos bacterianos contidos no espaço luminal (espaço interno) do intestino. Tais compostos podem ser neurotransmissores que interagem com os neurônios, causando respostas de acordo com a natureza da molécula sinalizadora.

Em 2012, Thomas Insel concluiu que no corpo humano existe um complexo ecossistema, no qual grande parte é formado por bactérias, sendo a maioria encontrada na região gastrointestinal. Não é à toa que o controle da alimentação pode influenciar na sua regulação trazendo benefícios para a saúde mental.

 

Distúrbios gastrointestinais

A alta comorbidade (termo utilizado para descrever coexistência de transtornos ou doenças) entre ansiedade e distúrbios gastrointestinais evidenciam a importância do eixo cérebro-intestinal. Doenças como a síndrome do intestino irritável ou a doença inflamatória do intestino, em 50% dos casos estudados, estavam associadas à altos níveis de estresse.  Assim, a modulação do eixo cérebro-intestinal vem se tornando um alvo atraente para o desenvolvimento de novos tratamentos direcionados a uma ampla variedade de doenças, que incluem obesidade, distúrbios de humor, ansiedade e distúrbios intestinais.

Pesquisadores do Centro de Ciências e da Saúde, da Universidade do Texas, já haviam publicado evidências de que microrganismos intestinais podem gerar substâncias neuroquímicas que afetam o cérebro e que neuroquímicos gerados pelo cérebro, por sua vez, podem afetar esses microrganismos. A partir disso, o professor Mark Lyte, coordenador da pesquisa na Universidade do Texas, demonstrou que há uma linguagem comum entre bactérias e células animais.  

Um exemplo dessa linguagem é quando um indivíduo apresenta doenças inflamatórias no intestino ocasionadas pela microbiota intestinal, geralmente ele também apresentará ansiedade e depressão. O motivo é simples:  uma diminuição na quantidade de lactobacilos e bifidiobactérias, bactérias comuns do intestino, que produzem o neurotransmissor GABA (ácido gama-aminobutírico), conhecido por reduzir o estresse, a ansiedade e inflamações no intestino grosso. 

Mais recentemente, em 2011, Bravo e colaboradores da University College Cork, na Irlanda, mostraram que um evento neuroendócrino, tal como o desencadeamento do estresse através de compostos produzidos por bactérias intestinais, pode alterar a expressão de vários genes patogênicos (promotores do desenvolvimento de doenças) no hospedeiro, desencadeando doenças e/ou distúrbios psicológicos. Descobriu-se também que outro grupo de neurotransmissores, as catecolaminas, também são sintetizadas por bactérias do intestino, e sua alta concentração pode implicar no desenvolvimento de encefalopatia, doença que causa insuficiência hepática fulminante.

Com o reconhecimento da capacidade neuroendócrina, portanto, espera-se estimular a investigação acerca da capacidade dos microrganismos em produzir compostos neuroativos que atuam em alvos específicos dentro do sistema nervoso do hospedeiro. Uma pesquisa com este objetivo foi desenvolvida pelo pesquisador John Cryan, também da University College Cork, na Irlanda, que demonstrou que ratos alimentados com caldo contendo  Lactobacillus rhamnosus tiveram um comportamento similar aos que são tratados com Prozac, permanecendo calmos e relaxados quando colocados na água para nadarem, diferentemente dos que não haviam sido alimentados e não pararam de nadar. O estudo sugere, portanto, que de alguma forma as bactérias alteraram sua química neural. Além disso, Cryan demonstrou que ratas induzidas ao estresse durante a gravidez passaram menores quantias de Lactobacillus rhamnosus para sua prole. Esta bactéria é produtora do neurotransmissor GABA, que tem por ação diminuir a ansiedade. Dessa forma, foi possível comprovar a relação direta entre a quantidade de bactérias e o estresse, ou seja, quanto menos bactérias, maior o estresse.  

Com estes conhecimentos nos tornamos cada vez mais próximos de uma forma alternativa de medicamentos. Seria muito interessante substituir remédios antidepressivos por uma dieta com bactérias específicas que regulariam a depressão, ansiedade, entre outros, com o principal benefício de ser um tratamento natural e menos agressivo ao organismo.

Estamos apenas no início de compreender o significado da endocrinologia microbiana que, em última análise, afetam o comportamento humano. Recentemente, o papel de bactérias para determinar o apetite e a preferência de alimentos também foi proposto. É intrigante e espetacular que os microbiontes viventes em nós possam ter um papel na homeostase (equilíbrio e conservação de elementos fisiológicos e do metabolismo, através de mecanismos de regulação) muito maior do que se imaginava anteriormente.

  

Leitura sugerida

  • Anoitan. 2013. Nosso segundo cérebro. Disponível em: https://anoitan.wordpress.com/2013/07/01/nosso-segundo-cerebro/. Acessado em 18 de abril de 2016.
  • Dinan TG, Cryan JF. Melancholic microbes: a link between gut microbiota and depression? 2013; 25, 713-719.
  • Lyte M. Microbial Endocrinology in the Microbiome-Gut-Brain Axis: How Bacterial Production and Utilization of Neurochemicals Influence Behavior. PLOS Pathogens. 2013.
  • Stilling RM, Dinan TG, Cryan JF. Microbial genes, brain & behaviour – epigenetic regulation of the gut–brain axis. Genes, Brain and Behavior. 2014. 13: 69–86.