Uma nova visão para nossa história

A espécie descoberta recentemente pode redefinir a evolução ou desvendar a origem do homem
Lívia Tank Sampaio Barros
Gabrielle Abreu Nunes
Andressa Elena Valle
liviatsbarros@gmail.com

DOI: 10.4322/temasbio.n3.001

Berço da Humanidade, esse é o nome dado para a Província de Gauteng, localizada na África do Sul, onde cerca de 40% de fósseis de nossos ancestrais foram descobertos, ou seja, onde boa parte da história evolutiva do homem se encontra.  Acredita-se que a vida humana possa ter dispersado a partir desse ponto. A cerca de 800 metros de distância a sudoeste do Berço da Humanidade se encontra o sistema de cavernas Rising Star, outro lugar de grande relevância para nossa história, no qual, recentemente, foi encontrado um grande número de elementos fósseis de uma nova espécie de hominídeo, o Homo naledi. Essa nova espécie pode nos revelar muitos mistérios a cerca da evolução dos primeiros hominídeos já extintos, até o vivente atual, o Homo sapiens.

 

O novo acervo de indivíduos possui características morfológicas que se assemelham tanto aos hominídeos do gênero Homo já extintos, quanto a ancestrais mais antigos, ainda da mesma família, porém de outro gênero, os Australopithecus.  Entre os caracteres basais (características que pertenceram primeiramente a um ancestral comum) dessa nova espécie destacam-se a curvatura de seus dentes, o formato singular de seu ombro, tronco e quadril, assim como o fato de possuírem um cérebro pequeno. No entanto, outras partes de seu esqueleto explicam sua classificação no gênero Homo, particularmente as relacionadas a locomoção e mastigação, assim como seus pulsos, mãos, pernas, pés e seu tamanho corporal,  similares aos humanos modernos. Curiosamente, essa nova espécie também possui características morfológicas não encontradas em nenhuma espécie de hominídeo descrita, como algumas partes do crânio e mandíbula, ou seja, são únicas nessa espécie. Uma grande equipe de pesquisadores, de várias universidades do mundo, encontrou fósseis pertencentes a 15 indivíduos, que foram classificados como uma nova espécie do gênero Homo. Os fósseis estavam depositados em um sistema de cavernas denominado Câmara Dinaledi, motivando a escolha do nome científico Homo naledi.

Elementos fósseis do esqueleto quase completo do H. naledi, evidenciando principalmente os membros inferiores com característica mais próxima dos humanos. Foto: Robert Clark/National Geographic, Lee Berger/University of the Witwatersrand.

As escavações levaram cerca de 21 dias, em um estudo que comparou o holótipo, os parátipos e outros elementos fósseis da nova espécie, com o de hominídeos já identificados, dos gêneros Australopithecus, Paranthropus e Homo. Através do escaneamento das amostras, foram feitas reconstruções virtuais tridimensionais que permitiram melhor comparação entre os modelos. Baseada nestes modelos e reconstruções virtuais e em dados de massa corporal de amostras humanas modernas, estimou-se a capacidade craniana, a massa corporal e a estatura dos indivíduos da espécie H. naledi, com cerca de 1, 50 metros e 45 kg.

A origem do gênero Homo ainda é debatida e esse novo achado coloca mais elementos a esta discussão. Acredita-se que o gênero Homo tenha surgido com os indivíduos da espécie H. habilis, há aproximadamente 1,8 milhões de anos atrás, considerado ancestral direto dos Australopithecus (viveu a aproximadamente 3 milhões de anos atrás). Contudo, em 1977, com a descoberta da espécie H. gautengensis, definitivamente descrita em 2010, podendo ser ainda mais antiga que H. habilis, provavelmente a 2,0 a 1,26–0,82 milhões de anos atrás, manteve a discussão da origem do gênero aberta. Agora, considerando as semelhanças encontradas nos membros anteriores da nova espécie com os de Homo habilis, Homo rudolfensis, e Homo erectus, sugerem que H. naledi pode estar enraizada na origem e diversificação inicial do nosso gênero.

Ilustração do aspecto corporal do H. naledi (direita), em comparação com outras espécies como australopitecos (esquerda) e H. erectus (centro). Autoria: John Gurche. Fonte: Lee Berger, Wits; John Hawks, Universidade de Wisconsin-Madison/National Geographic

Entretanto, nenhuma especulação pode se tornar efetiva sem a devida datação com radiocarbono (utilização do elemento químico carbono 14 para determinar a idade de materiais fósseis) ou amostras antigas de DNA dos elementos fósseis encontrados. Somente através desses processos será possível saber a real idade dessa nova espécie e qual o seu lugar na eolução do homem. Ainda assim, as informações trazidas através desses ossos (características basais e mais recentes) nos permite entender que o gênero Homo teve origens complexas, podendo indicar inclusive um possível polifiletismo (indivíduos que convergiram durante a evolução, mas compartilham características basais), ou seja, que alguns membros incluídos nesse gênero possam ter evoluído independentemente em outras regiões da África, evidenciando que o processo evolutivo não foi necessariamente algo contínuo, e que então precisaria ser refeito.

Reconstrução facial de outras espécies do gênero Homo. Foto: John Gurche. Imagens fora de Escala. Crânios por Mike Hettwer; fotografados no Museu Nacional do Quênia. Exemplares de crânio (da esquerda para a direita): KNMER 1813; 1470; 3733/National Geographic

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leituras Sugeridas

  • Berger LR, Hawks J, De Ruiter DJ, et al. Homo naledi, a new species of the genus Homo from the Dinaledi Chamber, South Africa.  eLife Science. 2015; 4: e09560.
  • Cournoe D. A review of early Homo in southern Africa focusing on cranial, mandibular and dental remains, with the description of a new species (Homo gautengensis sp. nov.). 151–177. Homo. 2010; 61(3):151-77.
  • Stringer C. The many mysteries of Homo naledi. eLife Science. 2015; 4:e10627.