Um novo aliado brasileiro na guerra contra o câncer

Anticorpo especializado desenvolvido no Brasil pode ajudar no combate ao câncer de ovário
Lara Boschesi Constantino
Marcelo Favarello Júnior
Sâmara Vieira Rocha
larabosquesiconstantino@gmail.com

DOI: 10.4322/temasbio.n3.009

Dizem que todo exército que se preze possui um grande general. Mas, sem uma tropa, o general nada mais seria do que uma farda de cinco estrelas. Da mesma forma, no nosso organismo, possuímos diversos sistemas que são responsáveis por áreas diferentes, um desses é o sistema imunológico que, como um exército, atua na defesa do corpo. O linfócito T é como um grande general agindo em toda a cadeia de comando de respostas, delegando tarefas. Outra grande e importante unidade de combate é formada pelos linfócitos B, que depois de produzir muitos clones podem liberar anticorpos. Com o avanço da ciência, um soldado se destacou - contra um tipo específico de inimigo, a partir das fileiras de soldados de linfócitos B - e foi clonado, permitindo a criação de um número incontável de soldados idênticos com a mesma capacidade de combate. Esses soldados entram para um esquadrão especial, os anticorpos monoclonais (mAb - da sigla em inglês monoclonal antibody). 

A importância na descoberta destes anticorpos monoclonais se dá em sua ação em diversos tipos de doenças. Atualmente, uma das doenças de maior interesse de pesquisa é o câncer. A partir de estudos com camundongos, anticorpos monoclonais mostraram eficiência no combate às células tumorais ovarianas. Um estudo liderado pela pesquisadora do Instituto Butantan, Ana Maria Moro, usou um destes anticorpos monoclonais gerados e expressos em roedores, denominado MX35, para criar uma versão humanizada. Inicialmente, o anticorpo MX35 foi obtido do soro de roedores, previamente injetados com células de câncer de ovário humano. Isto desencadeou uma resposta imune no organismo do animal, levando a produção de anticorpos específicos para o reconhecimento das células cancerígenas.  O anticorpo MX35 se mostrou altamente específico no reconhecimento das células tumorais injetadas e por isso esses anticorpos foram selecionados para se criar clones. Porém, esses anticorpos não poderiam ser utilizados diretamente em humanos. Devido aos problemas de incompatibilidade, o sistema imunológico de humanos reconheceria o MX35 como uma substância estranha e o atacaria, causando uma resposta imune ou inflamatória no paciente submetido ao tratamento. Foi então que a equipe brasileira, juntamente com pesquisadores da Suécia, superaram este problema e conseguiram desenvolver uma versão humanizada do anticorpo monoclonal MX35 de roedores. 

Um anticorpo apresenta regiões que são altamente específicas para interagir com o antígeno e regiões que são comuns na maioria dos anticorpos humanos. O primeiro passo para produção do anticorpo humanizado foi identificar essas regiões específicas no anticorpo MX35. A partir disso, diferentes linhagens de células humanas foram selecionadas de acordo com sua similaridade com essas regiões específicas do anticorpo e que obtiveram maior sucesso em seu processo de clonagem, por produzir uma maior quantidade de anticorpo. Após a clonagem, foi selecionado o anticorpo humano que apresentava a mesma especificidade às células tumorais, que apresentado pelo anticorpo MX35. O anticorpo selecionado em humanos foi denominado Rebmab200.    

O Rebmab200, injetado no sangue, se liga à proteínas das células tumorais, pelas quais possui alta afinidade, marcando-as, dessa forma, para que os linfócitos reconheçam os anticorpos e sejam ativados, iniciando um ataque de toxinas que desencadearão o processo de morte celular. Este anticorpo já entrou para a fase de testes clínicos contra o câncer de ovário e é um grande avanço nos estudos e pesquisas no combate a essa doença, abrindo possibilidades para o estudo com outros tipos de câncer.  Devido à sua alta especificidade, o tratamento com anticorpo monoclonal parece ser muito menos agressivo ao paciente do que os métodos tradicionais (como a radioterapia e a quimioterapia), por atingir pontualmente as células tumorais ovarianas. Estudos como este mostram que o desenvolvimento científico e tecnológico é  transnacional, de forma que pesquisadores de diferentes áreas e nacionalidades trabalham em conjunto na construção de novos conhecimentos.

 

Leituras sugerida

  • Santos, Rosaly V. dos. Aplicações terapêuticas dos anticorpos monoclonais. Revista brasileira de alergia e patologia. 2006; 29 (2): 77-85.
  • Zorzeto. R. A. Construção de um medicamento: anticorpos contra tumor de ovário desenvolvidos por instituições de pesquisa e empresas nacionais estão prontos para serem testados em humanos. Pesquisa FAPESP. ed 223. 2014; 16-23.
  • Dos Santos. M. L.; Yeda. F. P.; Tsuruta. L.R. et al. Rebmab200, a humanized monoclonal antibody targeting the sodium phosphate transporter NaPi2b displays strong immune mediated cytotoxicity against cancer: a novel reagent for target antibody therapy of cancer. PLoS ONE. 2013; 8(7): e70332.