Transgênicos: da tecnologia ao debate

A planta transgênica é boa ou ruim? O debate envolvido traz divergências no que diz respeito tanto aos dados quanto a opiniões
Adriana Quinelatto Scilippa
dri.q.scilippa@gmail.com

DOI: 10.4322/temasbio.n2.023

Os organismos geneticamente modificados (OGMs) conhecidos como transgênicos são um assunto de grande repercussão, por estar revestido de debates científicos, questões éticas, econômicas e políticas. Mas por que o tema é tão polêmico? O debate está associado principalmente a questões como os possíveis danos à saúde humana e ao meio ambiente e o contraste de opiniões, muitas vezes, está relacionado com ideias erradas ou confusas sobre o tema, o que leva, em geral, a uma polarização que obscurece os aspectos positivos e negativos associados a essa reflexão.

O desenvolvimento do melhoramento genético vegetal é fruto de circunstâncias que datam desde quando o homem primitivo deixou seu hábito nômade – caracterizado pela ausência de uma habitação fixa –, passando a se adaptar a uma vida sedentária na beira dos rios, na qual a utilização da agricultura teve seu início. Foi a partir desse momento que a domesticação e a plantação do seu próprio alimento se tornou essencial aos seres humanos, que começaram a estudar as características das espécies vegetais, através da observação e de sua pré-seleção, e a cruzar entre si aquelas que consideravam mais produtivas, saborosas e resistentes, no que podemos chamar de uma seleção artificial e inconsciente. 

Com o avanço da Genética a partir de 1900, devido à redescoberta das Leis de Mendel, e o melhor entendimento das bases da hereditariedade, o melhoramento genético tomou forma e passou a ser utilizado de modo sistemático e acelerado, criando inúmeras variedades vegetais e linhagens animais que hoje formam a base da produção vegetal e animal de todo mundo. Assim, a pratica do melhoramento genético já vem modificando as características dos organismos há muito tempo, desde a pré-história.

Sintoma causado por bactérias na região da enxertia. Foto: G. Kuhn. Fonte: http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/Fon...

A transgenia ou técnica do DNA recombinante teve sua origem no ano de 1972, quando foi observado o comportamento da bactéria Agrobacterium timafasciens, causadora de uma doença nas plantas chamada galha de coroa. Essa doença se desenvolve quando a bactéria insere uma parte de seus genes em uma planta, modificando seu genoma e levando a uma proliferação descontrolada de células, que gera um tumor que alimenta a bactéria. Essa transgenia é considerada natural, devido à forma como a transferência de DNA ocorre. Mas o que é, afinal, um transgênico? Vamos supor que certos genes que determinam as características da casca de uma maçã-verde fossem isolados e introduzidos em uma laranja. O resultado seria uma laranja com casca verde, certo? Essa laranja seria considerada transgênica. Assim, os transgênicos podem ser classificados como organismos que adquirem características de outro, por meio de técnicas que transferem os genes de determinada espécie para uma outra. A modificação genética quebra barreiras sexuais entre diferentes espécies, permitindo cruzamentos que nunca aconteceriam normalmente na natureza. A transgenia é feita com o intuito de que certas características possam proporcionar condições mais favoráveis, como, por exemplo, a resistência a herbicidas, a pragas e à secas, maior valor nutritivo, dentre outras. 

Como se produz um transgênico? Há vários métodos de produção de transgênicos, isto é, de transferência de uma fração do genoma de uma para outra espécie. Isso pode ser realizado utilizando a Agrobacterium como agente de transferência, ou por meio de outras técnicas como a biobalística, a eletroporação, a microinjeção e a aplicação direta de DNA. 

O método mais utilizado, por ser mais fácil e de baixo custo, é o de infecção por bactérias, no qual se utiliza bactérias como meio para infectar uma planta para que passe a adquirir novos genes no seu genoma. A Agrobacterium é uma bactéria de solo e se associa a algumas plantas naturalmente e transfere seus genes para ela. Essa bactéria tem um plasmídeo chamado plasmídeo Ti, cuja função é transferir parte do seu DNA (T-DNA) para a planta que está infectando. Nesse método, os cientistas substituem os genes que ficam no plasmídeo Ti da bactéria pelos genes selecionados e colocam a Agrobacterium em contato com embriões da planta que se quer se modificar, processo no qual o genoma da planta é modificado com os genes selecionados, conferindo a ela as características que se desejou. 

 

Biossegurança

O melhoramento genético vegetal, além de ter como intuito a produção de plantas em maior quantidade e qualidade, mais produtivas, saborosas, resistentes a pragas, doenças etc., visa também minimizar impactos ambientais, reduzindo o uso de defensivos agrícolas. Mas, por outro lado, a manipulação genética dos organismos vivos pela introdução de genes provenientes da mesma espécie ou de outra diferente tem gerado grande desconfiança sobre a segurança alimentar dos transgênicos, tanto para a saúde humana quanto em relação aos riscos ao meio ambiente. 

Cenouras coloridas, permitem uma absorção 40% maior de cálcio pelo corpo. Fonte: http://aguaboanews.blogspot.com.br/2009/02/os-transgenicos-mais-bizarros...

No que diz respeito ao meio ambiente, grandes preocupações têm surgido a respeito dos efeitos dos transgênicos e estão geralmente relacionadas com as tecnologias que conferem resistência a insetos e tolerância a herbicidas. Por exemplo, uma planta cultivada transgênica pode se tornar uma espécie invasora, ou extremamente resistente, assim como também causar um possível efeito negativo em plantas consideradas benéficas. 

Já em relação à segurança alimentar, a introdução de uma sequência de DNA estranha para a planta gera dúvidas sobre as consequências, já que a incorporação de uma sequência pode ter efeito em outros genes, podendo alterar o metabolismo, como também ter algum efeito tóxico, alterar efeito nutricional ou trazer algum efeito alergênico. Entretanto, a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), já se pronunciaram e declararam que a ingestão de alimentos transgênicos não é danosa à saúde. Em 2002, a OMS divulgou uma afirmação de que os alimentos transgênicos liberados para consumo não apresentam riscos à saúde humana, uma vez que passam por testes bastantes rigorosos antes de sua liberação. Entretanto, o tema é controverso e reúne um amplo conjunto de considerações positivas e negativas sobre seu uso potencial.

Pelas razões consideradas acima, o debate sobre os transgênicos parece estar longe de estar esgotado. A despeito disso, é inquestionável o avanço da tecnologia genética que permitiu a explosão do uso da transgenia nas mais diversas aplicações, abrindo um novo caminho que, respondida ou resolvida as questões que persistem nesse debate, poderá significar um novo paradigma para a aplicação da genética em benefício de todos, homem, ambiente e natureza. 

 

Leituras sugeridas

  • Massarani L, Natércia F. Transgênicos em debate. Rio de Janeiro: Museu da vida/Cas de Oswaldo Cruz/Fiocruz. vi,36 p.: iI,;5 cm ISBN 978-85-85239-37-4. 2007.