Tem bicho na estrada, e daí?

Estradas e animais estão cada vez mais próximos, o que pode trazer consequências desastrosas tanto para a fauna quanto para condutores e passageiros
Phelipe Eduardo Silva
phelipe.bio@gmail.com

Em todo o Brasil, existem cerca de 1,7 milhões de quilômetros de estradas e rodovias, que representam a principal forma de deslocamento de pessoas e escoamento da produção agrícola e industrial do País. Embora estejam diretamente ligadas à produção de riqueza do Brasil, essas estradas constituem um agente de fragmentação da paisagem de alto impacto, uma vez que a malha rodoviária passa por locais de ocupação extremamente diversos, cruzando cidades, plantações, rios e reservas ecológicas com alta densidade de animais silvestres. E é justamente nessas últimas onde se concentram os principais problemas e conflitos entre estradas e animais.

Os animais podem modificar seu comportamento positiva ou negativamente, evitando estradas por causa da atividade humana concentrada ao longo delas - principalmente devido ao excesso de ruído - ou se aproximando delas em busca de alimento ou fonte noturna de calor, visto que o asfalto retém o calor do Sol eficientemente. Entretanto, para a maioria dos animais as rodovias são um agente de fragmentação do ambiente, que diminui o tamanho e qualidade dos recursos disponíveis e faz com que eles necessitem percorrer um maior caminho até encontrarem água, abrigo ou alimento, além de poderem dividir populações, alterando a dinâmica da comunidade e do ecossistema. Além disso, diferentemente de outras matrizes de fragmentação de habitats, uma rodovia dificilmente pode fornecer condições para que alguma espécie se instale (como em alguns cultivos agrícolas, por exemplo).

É claro que, com uma malha rodoviária tão extensa interferindo diretamente nos hábitos dos animais, em algum momento alguns deles vão se deparar com uma rodovia. Tem bicho na estrada, e daí?

450 milhões. É este o número anual de animais silvestres atropelados no Brasil. Os dados são do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Minas Gerais.

Tamanduá-bandeira atropelado.  Fonte: Divulgação/ PRF.

Nas últimas três décadas, os atropelamentos foram a principal causa de morte de vertebrados ocasionada por seres humanos, superando inclusive a mortalidade decorrente de caça ilegal.

Mesmo sendo um tema não muito agradável – por se tratar de mortes –, entender as implicações e fatores que influenciam os atropelamentos de animais em rodovias é importante pois tal conhecimento pode justamente salvar vidas, e não somente a dos animais. Isto porque, além dos efeitos para o meio ambiente, os acidentes rodoviários envolvendo animais resultam em impactos socioeconômicos e, em alguns casos fatais, pessoas mortas ou feridas.

Consequências para a Biodiversidade

15 animais atropelados por segundo. Este número é assustador por si só, mas quando se leva em consideração que ele incorpora animais de pequeno, médio e grande porte e não contabiliza os invertebrados, tudo fica ainda mais cruel. A cada ano, antas, capivaras, cachorros-do-mato, gatos-do-mato, lobos-guará, veados, tamanduás e onças são mortos por atropelamento. E não menos importantes, os animais de pequeno e médio porte representam a maior parte das perdas por atropelamento.

Mortes e isolamento têm influência direta na diversidade genética das populações. A conservação da diversidade genética é um dos objetivos da Biologia da Conservação. É ela que garante a variabilidade entre os indivíduos necessária para que alguns poucos ou muitos sobrevivam às variações ambientais e a população ou espécie possa persistir a longo prazo. Quanto mais geneticamente diversa é uma população, maiores as chances de resistir a eventuais mudanças ambientais, doenças ou escassez de recursos como alimento e água. No momento em que uma população é reduzida (por isolamento ou morte), perde-se a variabilidade genética dos indivíduos, reduzindo a capacidade de perpetuação da população frente à seleção natural. Em outras palavras: quando um animal morre atropelado na estrada, as consequências são extensíveis à sua população, espécie e comunidade. Anos de evolução são perdidos.

Fatores que aumentam os atropelamentos

Sem sombra de dúvidas, o excesso de velocidade é o fator mais relevante na ocorrência de atropelamentos de animais silvestres, pois quanto mais rápido o veículo estiver, maior o tempo e distância necessários para frear e evitar o acidente. Além disso, o período do dia e do ano podem aumentar a incidência de acidentes.

Animais noturnos passam o dia escondidos em suas tocas e, ao entardecer, saem para se alimentar. Acontece que, justamente nesse horário, os motoristas já estão mais cansados e menos atentos ao que acontece na estrada, a visibilidade é alterada por conta do pôr-do-sol e da penumbra que se segue e, no escuro, a distância em que se avista um animal na pista é muito menor - aproximadamente 400 metros, com os faróis altos.

Em épocas de acasalamento, os animais tendem a se movimentar mais em busca de parceiros, e durante essa busca também aumentam as chances de cruzarem rodovias e serem atropelados.

Medidas mitigadoras

Aplicativo Urubu Mobile.

Dentre as várias medidas que o CBEE executa para diminuir a incidência dos atropelamentos, o aplicativo Urubu Mobile é uma das mais inovadoras. O sistema Urubu conta com um “atropelômetro” que pode ser alimentado por todo e qualquer celular com GPS e câmera fotográfica. A ideia é fazer com que a população alimente o atropelômetro sempre que se deparar com um atropelamento. É simples: basta fotografar o animal atropelado ou seus restos e enviar os dados para o sistema com sua localização.

O Projeto Malha – ao qual o aplicativo está integrado – é o maior esforço já realizado no Brasil para reduzir os impactos de rodovias relacionados a atropelamento de fauna selvagem e visa estruturar o Banco de Dados Brasileiro de Atropelamento de Fauna Selvagem. As fotos enviadas pelo aplicativo são analisadas, para identificação da espécie e do local do atropelamento. Com isso, podem ser conhecidas as áreas críticas de atropelamento de fauna em todo o Brasil.

Colabore você também! O aplicativo está disponível para sistemas Android na Play Store, é leve, gratuito e muito simples de utilizar.

 

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