Sexualidade Feminina

Como as especulações e mitos nos âmbitos biológico, sociocultural e psicológico interferem e definem o comportamento sexual feminino
Mariana Olivetti
olivetti.mah@gmail.com

 

A repressão da sexualidade feminina. Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-opyTWSh15us/USDp1IG9QlI/AAAAAAAABDU/DiejbmgsSa...

Quem nunca ouviu a máxima – tão criticada, mas persistente em nossa cultura – de que mulher que fica com muitos é galinha, vagabunda; e homem que fica com muitas é garanhão, pegador?! A partir de uma sociedade construída com base em valores patriarcais, misóginos e heteronormativos, como a ocidental, somos margeados por ideias e conceitos mal formados a respeito de aspectos fundamentalmente profundos, como a definição daquilo que é “natural” de um ser.

Ao especularmos sobre o comportamento humano quanto à sexualidade  e suas possíveis causas, muitas inferências surgem a respeito do que é intrínseco do ser (a nível bioquímico, fisiológico, psicológico – em última instância, genético), mas ignoramos a interferência de fatores sociais e culturais que influenciam, de forma única, cada ser humano.

Esses valores culturais são, tradicionalmente, os fatores predominantes na construção da diferença de comportamento sexual entre os gêneros masculino e feminino. No entanto, a sexualidade feminina é comumente considerada diminuta em relação à masculina não devido aos aspectos socioculturais, mas às especulações e mitos relacionados ao “natural”, ao biológico.

A cultura sexual refletida pela sociedade ocidental apresenta a mulher como frágil, submissa, dependente e predisposta a satisfazer, primariamente, o homem. Desde pequenos, os homens são estimulados a pensar com viés e apelo ao sexo, quando recebem influência da família, da mídia, dos amigos etc. A mulher, entretanto, recebe valores conservadores como: guardar-se para o futuro esposo; associar o sexo ao amor, não ao prazer; cuidar da “boa fama”; preservar-se, ou seja, não se envolver fisicamente com muitas pessoas; dentre tantos outros exemplos.

O cuidado cultural com a aparência da mulher é, inclusive, focado para o interesse dos homens, como na frase “mulher tem de se arrumar ou então ninguém vai querer”, tão reproduzida ainda hoje. O que faz a mulher, ao se arrumar, ter de usar saltos, adereços, maquiagens, e o homem arrumado usar apenas uma roupa mais requintada? Não seria a própria propagação dessa visão sociocultural?

A idealização de um padrão “bonito” afeta homens e mulheres, mas não igualmente. A mulher é sempre mais cobrada porque é ‘objetificada’; é vista como a responsável pela satisfação do homem, e não pela sua própria satisfação. Seja sexual ou amorosamente, ela geralmente é responsabilizada pela realização do parceiro, mesmo que essa realização seja algo de caráter pessoal, intrínseca a cada membro de uma relação. 

É muito incomum o foco no prazer feminino, já que as mulheres, historicamente, são estereotipadas como passivas e submissas e, ainda hoje, treinadas para o casamento – papel social da mulher construído desde os primórdios –, diferentemente dos homens, cujo enfoque no prazer ocorre de maneira natural pela comunidade.

Nossa sociedade ainda considera que o casamento, a administração da casa e a criação dos filhos sejam tarefas específicas da mulher, e que esta deve, eventualmente, tolerar relações extraconjugais do marido, já que a “necessidade fisiológica dele é maior”. Entretanto, o estudo da biologia sexual corrobora que o desejo e as necessidades sexuais femininas são da mesma ordem da masculina. Dizer que o homem “precisa e/ou gosta” mais de sexo que a mulher é uma visão estritamente cultural. 

Segundo Ivã de Haro Moreno, pesquisador da Universidade Federal de São Carlos, o vibrador foi inventado a fim de “eliminar fluidos que deixavam as mulheres histéricas” através de “massagens” – que, antes, eram realizadas por médicos e enfermeiras, mas que, por praticidade e tempo, passaram a ser feitas pela própria “paciente” e/ou por seu cônjuge. 

Propaganda relacionando o uso vibradores contra a “histeria” – início do século XX. Fonte: http://www.ocaqui.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/09/27.jpg

A falta de prazer – que ocorria devido à visão misógina, propagada culturalmente, de que o desejo sexual do homem é maior do que o da mulher e, por isso, sua satisfação é mais importante que a feminina e, também, devido à ideia de que a mulher que se interessa muito por sexo “não presta” – e a consequente falta de liberação de neurotransmissores ligados a essa sensação seriam as responsáveis pela chamada “histeria” e, por isso, o uso do vibrador era aconselhável para o tratamento “do humor” das mulheres. De acordo com Moreno, o aparelho deixou de ser usado para tais fins quando começou a ser associado com prostitutas, devido à sua utilização em pornografias. O utensílio adquiriu, assim, um caráter pejorativo, sendo associado à falta de pudor. (IMAGEM 3)

Ainda segundo o pesquisador, esse grande pudor com o comportamento sexual feminino é o maior responsável pelo preconceito que afirma que “com a esposa o marido deve manter uma relação sexual ‘respeitosa’, tradicional, enquanto seus fetiches devem ser realizados com prostitutas”. Essa visão reflete uma distorção nos valores do relacionamento, já que, além de induzir o adultério (estamos tratando de uma visão de relacionamentos na sociedade tradicional, inferindo relações monogâmicas), pressupõe que não se pode ter total intimidade e parceria com a companheira. Outrossim, essa percepção implica, mais uma vez, na desvalorização do prazer feminino, ao pressupor que a mulher não possui, por sua vez, taras próprias.

A veiculação e a perpetuação desses preconceitos culturais atingem a sexualidade feminina de maneira negativa, desestimulando-a, já que podem afetar fatores psicológicos, relacionados a:

- timidez – a necessidade de se “comportar bem” diminui a desenvoltura social, pois causa uma inibição ao fazer com que todas as atitudes sejam comedidas; 

- religião – religiosamente o sexo é, às vezes, transmitido, como “sujo, impuro”;

- aceitação do corpo – com a imagem de um padrão ideal, muitas mulheres se reprimem por se considerarem feias, gordas, piores do que o desejável;

- falta de conhecimento do próprio corpo – com tanta repressão à sexualidade, muitas mulheres desconhecem seus corpos, o que gostariam, como gostariam, o que não gostariam, locais de maior e menor sensibilidade etc.;

- estresse – qualquer ser humano, independentemente do sexo, tem sua produção de hormônios afetada quando irritado e/ou ansioso, o que pode atrapalhar a libido;

- rotina – o ser humano costuma enjoar de coisas tradicionais e tende a ser curioso naturalmente; ou seja, o sexo praticado sempre da mesma forma, nos mesmos lugares e nos mesmos horários, pode ser, para alguns, desestimulante.

Ainda que hoje o preconceito pareça ter diminuído, podemos perceber que a visão predominante da sociedade a respeito da sexualidade feminina continua totalmente distorcida e infundada, possuindo um caráter sociocultural que perdura devido à disseminação persistente dos valores da sociedade tradicional (muito presentes em nossos dias atuais), que é patriarcal, misógina, heteronormativa e conservadora.

 

Modelo de vibrador elétrico do início do século XX. Fonte: http://www.ocaqui.com.br/blog/wp-ontent/uploads/2010/09/216.jpg 

Aspectos biológicos da sexualidade.

O termo da Língua Portuguesa “mulher” é utilizado para apontar distinções sexuais biológicas e, também, distinções no âmbito sociocultural. A partir do ponto de vista biológico, a mulher é um ser humano adulto de sexo feminino – as questões de orientação de gênero e orientação sexual não serão abordadas aqui –, com órgãos sexuais e hormônios femininos. Considera-se mulher adulta aquela que passou pela menarca (primeira menstruação) e, portanto, pode – salvo restrições de outras ordens – reproduzir-se; a menopausa, por sua vez, caracteriza a fase de término do período fértil feminino, quando cessam as menstruações. 

Os hormônios gonadais, como a testosterona e o estrogênio, são os responsáveis biológicos primários pelo desejo sexual, tanto em homens quanto em mulheres. Sua produção – feita pelas gônadas, daí o nome “hormônios gonadais” – e secreção variam normalmente de quantidade em cada indivíduo, entretanto, dentro de uma faixa aceitável de variação hormonal. Quando os valores encontram-se fora das quantidades referenciais, tanto homens quanto mulheres podem apresentar problemas mais sérios e, nesse caso, devem procurar ajuda de um especialista, como um endocrinologista. 

Ao longo de seu desenvolvimento, um indivíduo do sexo feminino passa por grandes alterações hormonais, além de oscilações frequentes em períodos de aproximadamente 28 dias, os chamados ciclos menstruais. Indivíduos do sexo masculino também passam por alterações hormonais, mas em menor escala. Essas alterações hormonais podem causar algumas alterações na libido em indivíduos de ambos os sexos, de modo a aumentá-la ou diminuí-la, em menor ou maior escala. Entretanto, tais mudanças são pontuais e relativamente pequenas, e não configuram um problema biológico – exceto em raras ocasiões que podem necessitar de tratamentos específicos. Uma maior oscilação hormonal pode ser causada, também, por fatores psicológicos, como ansiedade, estresse e outros. 

Tanto a testosterona quanto o estrogênio estão presentes nas mulheres e estimulam, biologicamente, o desejo sexual. A formação dos órgãos sexuais durante o desenvolvimento embrionário é muito semelhante, de maneira que as estruturas resultantes são semelhantes em função. Acredita-se que a próstata dos homens, tão fortemente ligada ao prazer masculino, seja um órgão modificado na mulher, a glândula periuretral ou glândula de Skene, e que ela esteja ligada ao tão místico “ponto G”. 

Tal glândula, segundo essa hipótese, é a responsável pela chamada ejaculação feminina, que ocorre em algumas mulheres ao atingirem um orgasmo quando o tecido da glândula é estimulado pelas contrações das paredes da vagina e dos músculos pélvicos. O fluido secretado, que varia em quantidade em cada situação, é produzido pela próstata feminina, que pode se encher e esvaziar rapidamente, o que significa que, se o orgasmo for prolongado, a ejaculação será mais abundante. Há claras distinções entre o fluido ejaculado e a urina, embora algumas substâncias estejam presentes em ambas as secreções. Aqui, é importante observar que, devido à falta de conhecimento com relação à sexualidade e ao seu próprio corpo, a maioria das mulheres, ao ejacularem pela primeira vez, sente-se incomodada e embaraçada com a situação. Isto ocorre porque muitas desconhecem a ejaculação feminina e especulam tratar-se de alguma enfermidade.

 

 Leituras Sugeridas