Proteção vs risco de desenvolvimeto de leucemia

Possíveis fatores de proteção e risco para o desenvolvimento da leucemia linfoblástica em crianças são relacionados com a não exposição a infecções
Tiago da Cruz Ruiz
ruizbio@live.com

O cuidado com a higiene pessoal está em nossa sociedade desde nossos primórdios, utilizando a água para a limpeza corporal. Cuidados com a saúde, como as imunizações estabeleceram-se a partir do século XVIII, com a primeira vacina, que foi desenvolvida pelo médico Edward Jenner, que utilizou o vírus da Varíola retirado de pústulas de vacas infectadas e as inoculava em camponeses de forma a protegê-los da doença. Com o avanço das tecnologias e da medicina, teve o surgimento de novas vacinas e melhor cuidado com a higiene de maneira geral, até o modelo que temos hoje de saúde. Atualmente a um extremo cuidado com a exposição de crianças nos seus primeiros anos de vida a contaminantes ambientais, a também um elevado uso de antibiótico, vacinas e o cuidado com higiene. Entretanto, o padrão de infecções nos primeiros anos de vida modula o sistema imunológico, a falta de exposição impede o equilíbrio imunológico, e aumento processos de exacerbação da resposta imune a infecções tardias, gerando, de acordo com algumas hipóteses, o desenvolvimento da Leucemia Linfoide Aguda (LLA).

Para uma melhor compreensão dos processos envolvidos na formação de um câncer, vamos analisar alguns processos naturais do funcionamento do corpo humano e da malignização de apenas uma célula, que acarretara em clone maligno.

 

Processos de formação do sangue

As células sanguíneas são formadas por um processo chamado de hematopoiese que ocorre na medula óssea (Figura 1), onde a partir de células tronco indiferenciadas se da à formação de todas as demais células sanguíneas. Cada tipo de célula do sangue tem a sua linhagem própria de diferenciação: há uma linhagem eritrocítica, uma linhagem granulocítica, uma monocítica e uma linfocítica. Em cada uma destas linhagens as respectivas células-tronco sofrem mitoses e gradativamente se diferenciam em células adultas. 

 

A origem da Leucemia linfoide aguda

A LLA é caracterizada pela produção exacerbada e fora de controle de linfoblastos na medula óssea (figura 2), resultado de um dano genético no DNA de uma única célula na medula óssea. O linfoblasto é uma célula precursora imatura, que pelo processo de linfopoiese, passará por sucessivas diferenciações celulares e originará todas as demais células da linhagem linfoide, que por sua vez são responsáveis pela defesa do nosso organismo. Em uma criança com LLA a medula óssea doente, apresenta grande acumulo de linfoblasto, que impede a produção de todas as demais linhagens sanguíneas. 

 

Processos envolvidos

A LLA, como qualquer outro câncer, é resultado do acúmulo de células defeitos genéticos e de seus reguladores gênicos do ciclo celular, levando ao aparecimento de um clone maligno. Os reguladores gênicos e de diferenciação celular que estão envolvidos no processo neoplásico estão organizados em quatro classes distintas, são eles: genes supressores de tumor, oncogenes, de reparação do DNA danificado e apoptose. Os genes supressores de tumor agem no ciclo celular da célula, codificando proteínas que mantêm as células na condição G-zero, fora do ciclo mitótico, onde os genes de reparo de DNA e apoptose possam agir durante o ciclo da célula, se houver alguma falha em genes supressores, a célula vai ciclar sem pausas, não deixando que haja reparo no DNA contribuindo para que sucessivos erros sejam passados para seus clones, contribuindo para o processo neoplásico. Os oncogenes têm a função de codificar diversas proteínas que apresentam atividades biológicas e promovem a perda do controle sobre o ciclo celular e levam a célula a se tornar cancerosa. Os genes de reparo do DNA, são responsáveis pela integridade do DNA, averiguando erros na sequencias de bases nucleotidicas. Por fim, os gens reguladores da apoptose são responsaveis pela eliminação de células lesadas, que foram previamente sinalizadas pelo sistema imunológico, impedindo com que a célula repasse seu genoma defeituoso. 

 

Fatores de proteção e risco para o desenvolvimento LLA

Atualmente existem diferentes hipóteses relacionando o sistema imunológico com os fatores proteção e risco para o desenvolvimento LLA. O pesquisador Greaves em 1988 postulou duas teorias para o desenvolvimento LLA, a primeira, ele sugere que a miscigenação de indivíduos não expostos a infecções com teria um risco aumentado de desenvolver LLA. A outra teoria sugere que, o atrasado de infecções na infacia ocasionaria uma resposta anormal a infecções casuais na infância, denominada “hipótese da infecção atrasada”. Em 1995 Kilen, estudando a mortalidade infantil causada por LLA em 33 países, e verificou um aumento nas áreas de mortalidade em áreas com altas taxas de migrações, corroborando com a hipótese de Greaves.

Em 2008, Schmiegelow, professor do departamento de clinica médica no Centro Marie Juliane, Rigshospitalet, da Universidade de Copenhagen na Dinamarca, publico uma hipótese onde ele descreve que infecções nos primeiros anos de vida atuam como um fator de proteção para o desenvolvimento de LLA, na infâcia e adoloscência, pelo fato de, promoveria ativação do eixo adrenal aumentando o nível de cortisol, que eliminaria possiveis células maligninas. 

Ambas propostas se integram, e tem seu fundamento a partir das seguintes observações descritas por Schmiegelow:

  • A incidência LLA mostra um pico antes dos cinco anos de idade, o que é muito mais proeminente nos países desenvolvidos do que nos países menos ricos.
  • Nos países ocidentais industrializados cerca de 80% dos casos de LLA B possuem uma translocação ETV6/RUNX1 ou um clone leucêmico hiperhiplóide. Ambos os subgrupos estão relacionados com um evento iniciado na vida pré-natal e tem uma fase pré-leucêmica larga.
  • Uma porcentagem de recém – nascidos saudáveis possuem células de cordão positivas para translocação t (12,21) / ETV6 / RUNX1, que aumenta em 100x o risco de desenvolver LLA ETV6 / RUNX1 positiva. E sendo assim, a cinética de desaparecimento de tais células pré-leucêmicas nos 1 a 2 anos de vida poderiam influenciar o risco subsequente de LLA.
  • Os glicorticóides estão entre os agentes mais eficazes na terapia antileucêmica. Todos os casos que ocorrem na infância são especialmente sensíveis aos glicocorticóides.
  • Hormônio adrenocorticotrófico pode induzir níveis de cortisol elevado, o que leva a remissão morfológica na LLA.
  • Durante a infecção induzida por estresse, a resposta do ACTH pode aumentar a secreção de cortisol para níveis que são equipotentes com os níveis de glicocorticóides usados na terapia antileucêmica.
  • Infecções graves podem induzir a remissão morfológica na LLA na infância.
  • Frequência de creches aumenta significativamente o risco de infecções e está associado a um risco reduzido de infância LLA.
  • Nos países em desenvolvimento, tanto a alta carga de infecções graves e desnutrição podem contribuir para a redução da ocorrência de infância ALL, uma vez que aumenta tanto a secreção de cortisol durante as infecções e a resposta celular ao cortisol.

Podemos concluir que, a LLA embora possa não ter uma causa única ou exclusiva e a necessidade de maiores estudos envolvendo os processos desencadeadores, existe evidências que corroboram que na infância a modulação imunológica tem um importante papel no desenvolvimento das neoplasias linfoides na infância.

 

Leituras sugeridas

  • A.C.Camargo Cancer Center. 2013. Youtube.com. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=mWygGFmLrhA. Acesso em Otubro de 2014
  • Greaves M. Infection, immune responses and the aetiology of childhood leukaemia. Nature reviews cance.