Pique-esconde vegetal

Mecanismos de disfarce não são exclusivos de animais, estudos evidenciam que plantas também se camuflam
Maria Paula Pereira
Flávia Rossina J. A. de Moraes
Priscila L. de Oliveira
mariappaulap@gmail.com

Estudos recentes desvendam os segredos sobre estratégias de disfarce utilizadas pelas plantas para não serem detectadas por predadores herbívoros. Técnicas de camuflagem tornam as plantas que as usam mais aptas ao sucesso reprodutivo e à sobrevivência. Sementes que se assemelham com o solo onde caem e indivíduos capazes de apresentar coloração de suas folhas confundidas com o plano de fundo de seu habitat, são evidências da ocorrência de camuflagem em plantas. Um estudo publicado este ano na revista inglesa Trends in Ecology & Evolution apresenta hipóteses adaptativas que tentam elucidar a evolução de tais mecanismos.

 A camuflagem é um conjunto de mecanismos que reúne as mais diversas estratégias para dificultar a identificação de um organismo por seus predadores. O estudo mencionado reuniu evidências que comprovam o uso da camuflagem como estratégia de defesa para as plantas, dando enfoque nas grandes semelhanças entre os mecanismos usados por animais e vegetais. Durante muito tempo tais mecanismos não foram estudados nas plantas, provavelmente devido à restrita compreensão humana de que algumas estratégias serviriam exclusivamente para funções reprodutivas, como atrair organismos polinizadores e dispersores. Porém, estudos recentes indicam que os vegetais também se utilizam da coloração como ferramenta de defesa.

Os mecanismos de disfarce utilizados por animais ocorrem de forma paralela em vegetais; um exemplo é a equivalência de cor entre a planta e o plano de fundo (background matching), como observado na planta herbácea Corydalis benecincta, a qual apresenta folhas de coloração acinzentada quando cresce em substrato rochoso. Outro mecanismo é a presença de marcações, pontos ou listras nas folhas, frutos e até sementes, como no caso das sementes manchadas do feijão Vigna unguiculata, que criam bordas falsas e dificultam o reconhecimento do seu contorno verdadeiro (disruptive coloration). Plantas da espécie Lithops terricolor, conhecidas como plantas-pedra, assumem formas similares a de pedras presentes ao seu redor, despistando seus predadores (masquerade). 

A suculenta Lithops terricolor possui forma e coloração similar a de pedras. Camuflam-se pelo mecanismo conhecido como masquerade. Crédito: Keith Green.
Um indivíduo da espécie Corydalis benecincta, utiliza o mecanismo background matching para se assemelhar com a coloração do plano de fundo do ambiente ao seu redor. Crédito: Yang Niu.
Sementes de feijão da espécie Vigna unguiculata possuem manchas no tegumento as quais permitem que suas bordas não sejam detectadas por meio do mecanismo disruptive coloration. Crédito: Lianyi Li.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pode parecer estranho pensar em camuflagem vegetal, se observarmos estes mecanismos com os nossos olhos. Para compreender suas vantagens é necessário que a planta seja estudada aos olhos (ouvidos e narizes) dos predadores herbívoros, mas esta não é uma tarefa fácil. Modelos de visão de alguns animais específicos foram construídos para detectar a similaridade das cores de determinadas plantas com o ambiente ao seu redor. Entretanto, esses modelos determinam a camuflagem somente para predadores específicos, o que torna difícil afirmar sobre o resultado da camuflagem para predadores diferentes. Além disso os experimentos envolvendo camuflagem são de difícil controle e podem influenciar outras características da planta estudada, ou causar efeitos químicos e/ou térmicos nos predadores, enviesando os dados.

Outro fator que dificulta a contabilização das vantagens da camuflagem vegetal é o tempo. A aparência atual da planta pode ser resultado da pressão de seleção exercida por um predador que não existe mais. Portanto, pode não ser intuitivo a compreensão de que a planta está se camuflando, já que a ameaça não está mais presente no ambiente. O pesquisador Leonardo Borges, do Departamento de Botânica da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), destaca a importância de se ter um controle refinado em experimentos envolvendo camuflagem - “é necessário ter estudos mais completos, que entendam melhor as relações ecológicas em que estas plantas estão inseridas”.

Os estudos chamam atenção para o fato de que as plantas apresentam uma série de restrições para se camuflarem, quando comparadas aos animais. Os organismos vegetais são autotróficos, ou seja, são geralmente verdes por conter altas concentrações de clorofila. Dessa forma, as plantas não podem utilizar do mecanismo de transparência para camuflagem, assim como alguns animais o fazem. Entretanto, segundo o pesquisador Carlos Henrique Britto, também do Departamento de Botânica da UFSCar, as plantas são capazes de modular diferentes processos por meio de pigmentos de maneira muito refinada, pois fazem isso há milhões de anos. Outros pigmentos que não a clorofila, como os polifenóis e antocianinas coloridas, são utilizados pelas plantas em processos de defesa, como a camuflagem.

Outra dificuldade enfrentada é a ausência de mobilidade pelas plantas. Alguns animais, como lagartas, caminham até galhos secos para se camuflarem; as plantas, por sua vez, não são capazes de procurar um micro-habitat, isto é, uma condição ambiental que favoreça seu disfarce. Além destas restrições, as plantas lidam com um grande dilema ao investirem muita energia em órgãos como flores. As cores chamativas das flores que favorecem a reprodução por atrair polinizadores, restringem a eficácia da camuflagem.

Para evidenciar a evolução destes mecanismos utilizados por plantas é necessário interpretar os padrões de convergência e divergência da camuflagem. Um exemplo de divergência é a coloração das folhas da espécie Corydalis hemidicentra, que varia entre os indivíduos de acordo com as características das rochas do habitat em que cada indivíduo está inserido. Por outro lado, o estudo também apresenta exemplos de convergência como a semelhança de coloração pálida entre diferentes plantas que vivem em ambientes arenosos.

                                                      

Um fato curioso é que habitats localizados em ambientes abertos, com baixa densidade de plantas, favorecem a evolução de diferentes mecanismos de camuflagem. As plantas são mais facilmente vistas nestes locais do que em habitats com maior densidade, causando assim um aumento na pressão de seleção pelo padrão visual. O tamanho também é um fator interessante para ser considerado. Sementes e plantas pequenas se camuflam melhor do que plantas grandes, já que o plano de fundo dos ambientes é mais diverso em uma menor escala.

Devido ao fato de que a camuflagem vegetal é um assunto novo e há poucos pesquisadores trabalhando com o tema, o estudo publicado na revista Trends in Ecology & Evolution chama atenção para a necessidade de mais estudos experimentais capazes de elucidar questões ainda duvidosas. “Este tipo de estudo pode ser interessante para se levantar outras perguntas sobre as vias que fazem essas plantas terem esse tipo de característica; como a planta detecta o ambiente e como ela traduz isso em um sinal que vai alterar sua morfologia. Então isso abre caminho para outras perguntas sobre a fisiologia, morfologia e desenvolvimento dessas plantas” acrescenta Borges.

Uma coisa é certa; as plantas podem ser muito mais elegantes do que imaginamos. A capacidade de camuflagem claramente indica que seus órgãos sensoriais, mesmo que muito diferente dos existentes nos animais, são extremamente eficazes em reconhecer o ambiente. “As folhas não são folhas, são olhos! Com os olhos você consegue enxergar padrões e reproduzi-los. Como a planta mantém a embriogênese contínua durante seu ciclo de vida, ela pode agir desta forma. Ela enxerga padrões durante toda sua vida, os considera, e se auto-desenha”, conclui o pesquisador Britto.

Leituras sugeridas:

  • Yang Niu, Hang Sun e Martin Stevens. Plant Camouflage: Ecology, Evolution, and Implications. Trends in Ecology & Evolution. 2018; Vol33(8).
  • Aguiar, Luis Henrique M. Proposta de Modelo Evolucionário para simulação da evolução da camuflagem em seres vivos. 2016. Universidade de Brasilia, Brasília-DF.
  • Givnish, T. J. Leaf Mottling: Relation to Growth Form and Leaf Phenology and Possible Role as Camouflage.Functional Ecology. 1990; 4(4), 463.
  • Simcha Lev-Yadun. Funções defensivas da coloração branca em plantas costeiras e dunares. Israel Journal of Plant Sciences. 2006; 54(4):317-325.