Nanotecnologia aliada à Saúde

Utilizando fungos, pesquisadores obtêm nanopartículas de prata que conferem propriedades antibactericidas a tecidos hospitalares
Giovanna Gianini Morbioli
gimorbioli@gmail.com

O uso da prata em ferimentos ou no tratamento contra bactérias já é conhecido há bastante tempo. A prata tem a capacidade de invadir o interior desses microrganismos e romper sua parede, levando-os à morte. Porém, o uso irregular da prata, por tempo prolongado e concentrações exageradas, pode ser prejudicial à saúde. Isto porque, apesar da prata não ser tóxica para as células animais, a sua absorção pelo organismo pode resultar em alguns efeitos colaterais, como problemas neurológicos, problemas renais, dores de cabeça e Argyria, doença que causa o azulamento da pele.

No entanto, pesquisas recentes têm obtido resultados promissores com a utilização de nanopartículas de prata aplicadas a materiais diversificados com efeitos bactericidas. Nanopartículas de prata são fragmentos muito pequenos, na ordem de nanômetros, sintetizados a partir do elemento prata, que possuem funções e características diferentes do material original de onde foram extraídas. Para se ter uma ideia, 1 nanômetro é 70 mil vezes menor que o diâmetro de um fio de cabelo. Assim, a vantagem do uso das nanopartículas é que a concentração de prata torna-se bastante reduzida, além da alteração das propriedades iniciais do elemento poder diminuir os riscos à saúde.

 

A pesquisa

Desde 2003, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) vêm estudando processos que envolvem os fungos, a fim de conhecer mais suas funções e potencialidades. Recentemente, descobriram um fungo (Fusarium oxysporum) que tem justamente a capacidade de reduzir partículas de prata, para que estas sejam aplicadas a diversos materiais com efeito bactericida.

O Fusarium oxysporum é encontrado em diversos ambientes, como no solo, ar, plantas e alimentos, sendo responsável por diversas patogenias em plantas diversas. Nos seres humanos, ele pode infectar unhas e córneas. No entanto, não representa problema ao reduzir as partículas de prata, já que, ao realizar esse processo químico, não passa suas toxinas para as nanopartículas recém-sintetizadas.

Exemplar do fungo Fusarium oxysporum.
(Foto: Keith Weller, 2008.)
(Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki)

Na pesquisa, a partir de enzimas presentes no fungo, nanopartículas de prata foram biosintetizadas, por processos químicos. Essas nanopartículas foram aplicadas em tecidos hospitalares, que assim adquiriram propriedades bactericidas, principalmente contra bactérias causadoras de importantes patogenias em hospitais, como o Staphylococcus aureus, responsável pelas infecçõeshospitalares, além de Enterococcus faecium, Streptococcus pneumoniae; Pseudomonas aeruginosa, Vibrio cholerae e Escherichia coli.

Para a obtenção das nanopartículas, primeiramente os pesquisadores cultivaram os fungos durante sete dias, em meio de cultura apropriado para seu crescimento. Após esse período, os fungos foram colocados em água destilada estéril, visando a retirada de suas enzimas e outros metabólitos. Esse extrato fúngico, de cor amarelada, foi filtrado, e a ele foi acrescentado nitrato de prata (AgNO3). Através da ação de enzimas redutoras presentes no fungo, como a Nitrato Redutase, houve a redução da prata (ganho de elétrons) e a síntese das nanopartículas de prata, comprovada por mudanças de coloração no extrato (ver esquema apresentado na Figura 2). Os pesquisadores testaram então essas nanopartículas de prata em tecidos utilizados em hospitais, observando que esses materiais adquiriram caráter bactericida. Lençóis, aventais, camisolas e até gazes ganharam um aliado a mais no combate às infecções hospitalares, além de ajudar na cicatrização de lesões.

Mas esta não é a única aplicação dessas nanopartículas. Hoje, essa nanotecnologia já tem sido aplicada em embalagens em geral, principalmente de alimentos, às quais confere propriedades antimicrobianas, tornando a embalagem estéril. Ela tem sido usada também nos conhecidos “tecidos anticheiro”, empregados na fabricação de meias, palmilhas e vestimentas em geral que, ao entrarem em contato com o corpo, provocam odores desagradáveis.

Metodologia simplificada de como ocorre a síntese de nanopartículas de prata pelo fungo Fusarium oxysporum.

 

O que esperar para o futuro?

A perspectiva dos pesquisadores na atual fase é trabalhar com outros fungos, bactérias, microrganismos e sistemas vegetais que tenham a mesma capacidade do fungo Fusarium oxysporum de transformar íons de prata em nanopartículas metálicas, para novas aplicações em materiais diversos, além de buscarem a transformação de outros metais que também possam ter aplicações nanotecnológicas, como o ouro, por exemplo. Há, inclusive, pesquisas recentes nas quais as nanopartículas de prata mostraram atividade contra células infectadas com HIV. Porém, esses resultados estão todos em fases experimentais em laboratório, em início de pesquisa ou ainda em fase de projeto.