As mudanças climáticas e meu café da manhã

Além das consequências das mudanças climáticas, previsões indicam que a produção de alimentos e a distribuição de água também serão afetadas
Érique de Castro
eriquecastro@gmail.com

DOI: 10.4322/temasbio.n2.020

Em um típico sábado de manhã de 2050...

“- Bom dia, mãe. Ainda cedo e já esse calor! Tá quente demais.

- Ah, bom dia, filho, espera aí que eu vou ligar o ventilador para ver se refresca um pouco, enquanto isso vai comer alguma coisa.

- OK. Tem pão, mãe?

- Ainda não filho, não chegou a farinha sintética. Mas coloca água no leite em pó e se arruma logo para irmos para a casa da vó.

- Mas já chegou a água?

- Nossa, esqueci filho, a água não chegou também. Vou ali no mercado ver se já tem algo pronto pro café da manhã.”

O diálogo acima ainda parece estranho, mas pode vir a se tornar bem comum nos próximos anos. Tanto que, nos últimos invernos, já tem se tornado comum usar bermuda, boné e protetor solar fator 50, o que não víamos há mais tempo (mas use protetor solar mesmo em dias nublados. Sua pele agradece!). Os dias estão mais quentes e o suor na camiseta só tende a aumentar o formato de pizza nas axilas. E tudo isso tem uma boa explicação.

O aumento da concentração de carbono na atmosfera leva a um aumento da temperatura da Terra, mudanças nos padrões de chuva e alterações nas correntes marítimas. Estas são só algumas das alterações climáticas já observadas pelos cientistas e pelas pessoas no dia a dia, e nos próximos anos elas podem ser acentuadas, afetando diretamente a produção mundial de alimentos e a distribuição de água.

As mudanças climáticas estão acontecendo agora, e é isso que o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), desenvolvido por cientistas do mundo inteiro, mostrou, indicando um cenário futuro em que a temperatura média na Terra aumentará em, no mínimo, 2º C.

A seca prolongada que resulta na atual crise de água no Estado de São Paulo é uma evidência clara das mudanças climáticas, e chama a atenção para o fato de que, mesmo tratando-se de um recurso renovável, o uso e o manejo inadequados da água podem torná-la cada vez mais escassa e imprópria ao consumo. Além disso, enquanto não há água em São Paulo, há regiões do Globo que sofrem com chuvas torrenciais, e em ambas as situações a agricultura sai prejudicada.

Isto já é visível na produção de cereais, como o milho e o trigo, cujas safras já foram afetadas negativamente em algumas regiões da Terra. Além disso, a produção de carne também será prejudicada, devido à disponibilidade de pastagem para alimentar o gado, já que algumas espécies vegetais usadas como pastagem são sensíveis ao aumento simultâneo de gás carbônico e de temperatura.

O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, com mais cabeças de gado (208 milhões) do que habitantes (200 milhões). Porém, para que o País mantenha essa posição, é importante estudar os efeitos das mudanças climáticas sobre a pastagem, e é isso que pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos, em conjunto com pesquisadores da Universidade de São Paulo (campus Ribeirão Preto), estão fazendo.

O pesquisador Carlos Henrique Britto de Assis Prado, do Departamento de Botânica, da Universidade Federal de São Carlos, e colaboradores verificaram que, em condições de aumento de carbono (600 ppm (partes por milhão) de CO2, aproximadamente 200 ppm a mais do que encontramos atualmente na atmosfera) simultâneo ao aumento de temperatura em mais 2° C em relação ao ambiente durante o outono, a planta Panicum maximum – usada como pastagem – diminuiu a produção de biomassa de folhas. Ou seja, devido ao aumento de temperatura e de CO2, há menos biomassa foliar dessa gramínea disponível para alimentar o gado no campo. Isso significa que os agropecuaristas precisarão encontrar formas de manejar suas pastagens, para garantir a disponibilidade do alimento e diminuir os efeitos das mudanças climáticas sobre o gado.

No Brasil, o Nordeste deverá ser a região mais afetada. A seca, que já é comum, será cada vez mais intensificada, não permitindo o desenvolvimento de grandes campos agrícolas e pecuários e afetando ainda mais a produção de alimentos. Com a menor oferta de alimentos e o grande crescimento populacional – não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, especialmente em regiões tropicais –, o preço dos alimentos deverá aumentar de forma considerável, diminuindo o acesso de pessoas pobres a uma alimentação básica. Portanto, pesquisas e ações governamentais são imprescindíveis para que a insegurança alimentar consiga ser superada e que, num sábado de manhã em 2050, você tenha alimento disponível no café da manhã.