Fotossíntese animal

Pesquisadores concluem que pulgão é capaz de produzir energia metabólica a partir de uma fotossíntese primitiva
Mariane Marques
mari.mqs@hotmail.com

Os afídeos – grupo de insetos popularmente conhecidos como pulgões que se alimentam da seiva de plantas e têm importância econômica por serem considerados pragas de florestas e plantações – têm uma biologia muito curiosa devido à sua estratégia reprodutiva particular e, também, pelas relações de cooperação que estabelecem com algumas formigas. Recentemente, pesquisadores concluíram que uma espécie de afídeo tem mais uma característica surpreendente: a capacidade de realizar uma fotossíntese primitiva.

Fotossínteseé o processo de transformação de energia luminosa em energia química que será usada no funcionamento metabólico dos seres vivos. Essa energia química geralmente é armazenada em moléculas chamadas de ATP (adenosina trifosfato). Até 2012, acreditava-se que, além das plantas, apenas as algas e algumas bactérias fossem organismos fotossintéticos, ou seja, capazes de fazer fotossíntese. Porém, naquele ano, pesquisadores concluíram que os Acyrthosiphin pisum, uma espécie de afídeo, são capazes de transformar energia luminosa em ATP. Os Acyrthosiphin pisum são encontrados no mundo todo e se alimentam da seiva de plantas leguminosas, como, por exemplo, as ervilhas.

 

 

 Animais curiosos

Dentre as curiosidades já conhecidas dos afídeos está a sua capacidade de se reproduzir por partenogênese, ou seja, das fêmeas poderem procriar sem serem fecundadas, dando origem a novas fêmeas. No entanto, em algumas épocas do ano, esses animais também procriam por reprodução sexuada – isto é, com cópula –, dando origem a machos e fêmeas. Os machos normalmente aparecem quando existe superpopulação, a planta hospedeira está morrendo, a temperatura ambiente está mais baixa, ou em outras situações de estresse. O mais estranho, no entanto, é que uma fêmea pode conter dentro de si não só os embriões de suas filhas, mas também os de suas netas, que já estão se desenvolvendo dentro de suas filhas, o que dá aos afídeos uma capacidade incrível de reprodução e proporciona a formação de populações imensas em um tempo muito curto. Além dessa estratégia reprodutiva excêntrica, também é curiosa a forma de mutualismo que os pulgões constituem com algumas espécies de formiga, que criam esses afídeos, protegendo-os de seus predadores naturais e, em troca, recolhem deles a melada, uma substância secretada rica em açúcares.

                 

Carotenoides e fotossíntese

Em 2010, os pesquisadores Nancy A. Moran e Tyler Jarvik, da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, fizeram a descoberta de mais uma característica inusitada dos pulgões: a de que eles possuem genes necessários à síntese de carotenoides, pigmentos encontrados em plantas, algas e alguns fungos e bactérias, mas que, nos animais, só poderiam ser obtidos por meio da alimentação. Esses resultados foram publicados na revista científica Nature, no artigo intitulado “Lateral Transfer of Genes from Fungi Underlies Carotenoid Production in Aphids”.

Os carotenoides são pigmentos acessórios do processo de fotossíntese, sendo responsáveis por amplificar a captação de luz. Eles desempenham importante papel na proteção contra o excesso de luz e também têm a função de antioxidantes e precursores de vitaminas, inclusive nos animais. São eles que conferem cor amarela, laranja e avermelhada às plantas ou suas estruturas, como os frutos.

 

Já em 2012, um outro grupo de pesquisadores, liderados por Jean Christophe Valmalette, da Universidade do Sul Toulon Var, na França, concluiu que na espécie de afídeo Acyrthosiphin pisum ocorre uma fotossíntese primitiva que dá a eles a capacidade de absorver a luz através do caroteno para a produção de ATP que será usada no seu metabolismo. A conclusão foi publicada em outra revista científica importante, a Nature, no artigo intitulado “Light- induced electron transfer and ATP synthesis in a carotene synthesizing insect”, assinado também por Aviv Dombrovsky, Pierre Brat, Christian Mertz, Maria Capovilla e Alain Robichon.

Em laboratório, os pesquisadores obtiveram descendentes por partenogênese, a partir de uma única fêmea fundadora, o que permitiu que todas as filhas tivessem o mesmo material genético. Esses indivíduos foram colocados em diferentes condições ambientais com a finalidade de selecionar variantes viáveis, ou seja, que continuassem se reproduzindo naquelas condições. Em condições ideais de 22 ͦC, com baixa densidade populacional e abundância de recursos, foi obtida a linhagem laranja. Com o aumento populacional e redução dos recursos disponíveis, houve o surgimento de uma linhagem branca. Outra linhagem, esta com coloração verde, foi obtida em condições de frio a 8 ͦC.Quando os pesquisadores mediram os níveis de ATP dessas linhagens, constataram que os insetos verdes possuíam altos níveis de carotenoides, que produziam significativamente mais ATP que os brancos, estes quase destituídos desses pigmentos. Além disso, quando os pulgões alaranjados, que tinham uma quantidade intermediária de carotenoides, foram colocados à luz, a produção de ATP aumentou e caiu em seguida, quando foram transferidos para o escuro. Segundo os autores, essas observações sugerem que a presença dos pigmentos carotenoides está possibilitando a realização de fotossíntese por esses animais.

O artigo afirma que o caroteno fica localizado entre 0 e 40 micrometros (1 micrometro é igual à milésima parte do milímetro) abaixo da cutícula desses animais. Esse caroteno absorve a energia do sol gerando uma transferência de elétrons, que vai dessa substância para moléculas semelhantes com os NAD+ (molécula capaz de receber um hidrogênio e dois elétrons formando o NADH), os quais são posteriormente transferidos para outras substâncias em reações que produzem ATP. Nos pulgões, essa síntese de ATP ocorreria nos complexos de proteínas da mitocôndria, organela que degrada moléculas orgânicas como, por exemplo, a glicose, para a obtenção de ATP.

Já nos demais organismos fotossintetizantes, o processo de captação de luz e produção de energia metabólica ocorre em organelas chamadas de cloroplastos, que possuem o pigmento chamado de clorofila. A clorofila se encontra em sistemas de membranas, denominados tilacóides, que estão organizados em fileiras denominadas grana, envoltas pelo estroma, uma matriz encontrada no interior do cloroplasto.

Nos tilacóides, a energia luminosa é captada por meio dos pigmentos fotossintetizantes, capazes de conduzi-la até o centro de reação, composto por um par de clorofilas que absorve a onda luminosa e promove a excitação de elétrons. Os elétrons excitados saem da molécula e são transferidos para uma primeira substância aceptora (ou seja, capaz de receber elétrons) que, por sua vez, os transfere para outra substância, e assim por diante, formando uma cadeia de transporte de elétrons.

Nessa transferência entre os aceptores, os elétrons vão liberando energia gradativamente, energia esta que é aproveitada para ativar o complexo proteico ATP sintetase. O ATP sintetase, por sua vez, promove o acréscimo de um grupo fosfato em moléculas de adenosina difosfato (ADP), dando origem à adenosina trifosfato (ATP). Essa adição do grupo fosfato é que promove o armazenamento de energia na sua ligação com a molécula de ADP. Para utilização dessa energia, ocorre o processo inverso, ou seja, a quebra da ligação na molécula de ATP, liberando ADP e um grupo fosfato.

Além dos pulgões investigados pela pesquisa, outro animal que teria a capacidade de fazer fotossíntese é uma lesma do mar da espécie Elysia chlorotica encontrada na costa leste dos Estados Unidos e em algumas partes do Canadá. Porém, aqui o processo é bastante diferente do relatado para os pulgões. No caso da lesma do mar, ela se alimenta da alga Vaucheria litorea, cujos cloroplastos, por não serem digeridos, ficam aderidos à parede do intestino do animal e continuam fazendo fotossíntese e, assim, fornecendo energia para a lesma. Ou seja, na lesma Elysia chlorotica, a fotossíntese realizada é igual aquela feita pelas plantas, diferentemente do pulgão Acyrthosiphon pisum, que apresenta cloroplasto e faz uma fotossíntese rudimentar graças à presença de carotenoides produzidos pelo próprio animal.

 

Outra diferença está na aceitação dessas duas conclusões científicas. Enquanto o fenômeno, na Elysia chlorotica,é bem aceito – já que todo o ciclo da sua capacidade de fazer fotossíntese já foi desvendado –, os resultados encontrados na espécie de afídeo Acyrthosiphon pisum ainda deixam muitas questões sem respostas. É o que afirma o pesquisador Carlos Roberto Souza e Silva, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que trabalha com equilíbrio biológico de afídeos. “Se a hipótese de que esses afídeos são capazes de realizar fotossíntese é verdadeira ou não, eu não posso afirmar, mas eu acho que o fenômeno ainda precisa ser melhor estudado”, avalia o pesquisador, para quem ainda existem muitas perguntas a serem respondidas. “Por que eles ainda estariam todos ligados aos hospedeiros? Será que só esses afídeos são capazes de fazer fotossíntese? Será que não há outros que também têm essa capacidade?”, questiona, para exemplificar.

De outro lado, alguns botânicos acham que os mecanismos de transformação da luz para energia metabólica nesses afídeos precisa ser melhor explicado, pois só a presença de carotenoides não seria capaz de permitir fotossíntese, além de existirem plantas sem carotenoides que são fotossintetizantes. E até mesmo os responsáveis pela descoberta admitem que ainda existem perguntas sem respostas, ponderando, no entanto, que já há fortes evidências que sustentam favoravelmente a possibilidade apresentada por seu trabalho.

 

Leituras Sugeridas

  • Valmalette, J. C.; Dombrovsky, A.; Brat, P.; Mertz, C.; Capovilla, M. & Robichon, A. “Light- induced electron transfer and ATP synthesis in a carotene synthesizing insect”. Nature, 2012.
  • Moran, N. A. & and Jarvik, T. “Lateral Transfer of Genes from Fungi Underlies Carotenoid Production in Aphids”. Science, 2010.