Diagnósticos que cabem no seu bolso: Biossensores Label-free

Sistemas que agregam rapidez, precisão e baixo custo para diagnóstico precoce de doenças
Yngrid Karina Veltroni
Adrielli Cristina Araujo de Moura
Karen Giselle Rodríguez-Castro
ysa.veltroni@gmail.com

É fato que a globalização trouxe diversos avanços e facilidades para as mais variadas áreas do conhecimento, principalmente na medicina. Hoje, é possível monitorar e diagnosticar doenças com testes simples e relativamente rápidos, como a análise de uma gota de sangue. Entretanto, muitos destes testes ainda não conseguem identificar uma gama de doenças que tem afetado substancialmente a população mundial, como câncer, HIV, Zika vírus. Mesmo que este tipo de diagnóstico não seja necessário no dia a dia, certamente há mérito argumentável no desenvolvimento de tecnologias que possam ser utilizadas pelo paciente em sua residência e que sejam capazes de fornecer um diagnóstico precoce. É neste contexto que a técnica label-free se destaca, pois atua de modo semelhante aos medidores de glicose no sangue, sendo um medidor simples e eficiente para a detecção de doenças.

Os testes de diagnóstico de doenças normalmente são feitos utilizando-se amostras biológicas (como sangue, fezes, tecido) e geralmente são baseados no formato de imunoensaios, que são técnicas para a detecção ou quantificação de antígenos ou anticorpos. O principal método atualmente utilizado é o chamado ELISA (Enzyme Linked Immunosorbent Assay - Ensaio de imunoabsorção enzimática), que se baseia em reações antígeno-anticorpo detectáveis por meio de conjugados enzimáticos. Nesse método, a adição de uma enzima funcionará como uma etiqueta que se ligará ao anticorpo ou ao antígeno, se estes estiverem presentes, formando um complexo enzima-anticorpo ou enzima-antígeno. Fornecido um substrato específico, esse complexo promoverá a degradação enzimática desse substrato, originando produtos solúveis coloridos, permitindo, assim, mensurar a quantidade de anticorpo ou antígeno presente.

 

 

Uma matriz de imobilização formada por uma sequência de captura (primer) se liga ao eletrodo, que funciona como um sistema de transdução de sinais causadas pela interação entre as biomoléculas e os marcadores. O sinal produzido pode ser óptico, fluorescente ou elétrico. Os sinais emitidos são lidos num aparelho portátil.

 

Para que um novo método de diagnóstico de doenças se torne prático, uma alternativa seria uma detecção sem a necessidade de marcação por algum composto ou enzima. Esta é a abordagem do Label-free que, traduzindo para o português, poderia ser chamado de “livre de etiquetas”. Ao eliminar a necessidade de etiquetas e, consequentemente, algumas etapas do processamento de amostras associadas, a detecção poderia ocorrer com mínimo ou nenhuma intervenção do usuário, além de fornecer os resultados mais rapidamente. A combinação da capacidade de detecção e simplicidade fornecida por este método pode trazer benefícios notórios para o diagnóstico de doenças, além de reduzir também os custos da análise, que implica numa maior abrangência de pessoas de diferentes estratos socioeconômicos capazes de usufruir do método.

Pesquisas realizadas no Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo, sob liderança do pesquisador Valtencir Zucolotto, têm utilizado o Label-free para a detecção de Dengue e Zika. Os vírus responsáveis por essas doenças pertencem ao gênero Flavivirus e, por isso, possuem genomas muito semelhantes, sendo necessária uma alta especificidade para a diferenciação entre as duas doenças. Pesquisas mostraram que existem diferenças numa região do RNA que codifica a proteína NS5, que permite a identificação de ambos os vírus. Numa amostra humana contaminada por um dos vírus, o Label-free atua detectando sequências específicas do DNA, as quais podem conter mutações. É possível também a detecção de modificações do genoma, as quais são herdáveis durante a divisão celular, mas não envolvem uma mudança na sequência do DNA ou RNA, sendo as alterações de histonas ou do padrão de metilação do DNA ou do RNA os principais mecanismos (ver box). Neste contexto, a ferramenta atua na detecção e quantificação da alteração da metilação do DNA, fornecendo resultados promissores para o diagnóstico em estágio inicial de Zika e Dengue, bem como para a pesquisa clínica de câncer.

Em trabalho realizado pelo grupo de pesquisa do Instituto de Física em conjunto com o Departamento de Ciências Naturais, Matemáticas e Educação de Araras da Universidade Federal de São Carlos foi desenvolvido um biossensor Label-free para a detecção de predisposição para os cânceres de mama e de ovário. Para isso, os pesquisadores desenharam um biossensor capaz de identificar a mutação associada a tumores, nos genes já amplamente conhecidos pela associação com predisposição a esses tipos de cânceres. O dispositivo desenhado mostra uma alta sensibilidade detectando mudanças na sequência de até dois pares de bases e concentrações extremamente baixas (nanomolares) para detecção precoce das doenças.

Segundo Zucolotto, os biossensores foram desenvolvidos em sistemas integrados miniaturizados que podem ser utilizados pelo próprio usuário, permitindo a diagnose de doenças de modo prático e em qualquer lugar. Além disso, a sistematização do diagnóstico permite processar um número maior de amostras em menos tempo. Do ponto de vista econômico, manter a melhor relação custo-eficácia foi fundamental durante a construção dos biossensores. Os custos com o diagnóstico de doenças como Dengue e Zika, por exemplo, quando comparados aos do Label-free, são bastantes elevados, tanto no SUS quanto nos laboratórios particulares. O preço do método Label-free chega a ser até 10% do valor do kit adotado pelo Governo e 1% do valor dos exames realizados em laboratórios particulares. Zucolotto relata que para o diagnóstico do vírus da Zika o custo do sistema Label-free, em escala de laboratório, foi de, aproximadamente, oito reais. Portanto, sem dúvida, o uso do Label-free representa uma grande vantagem em relação aos demais métodos, pois agrega rapidez, precisão e baixo custo.

O custo da ferramenta, no entanto, pode sofrer modificações caso seja implantada e produzida em larga escala, devido à transferência de tecnologia. Essa transferência é um tipo de negociação em que um produto científico é transferido para uma determinada organização, visando ou não fins lucrativos e a disponibilidade do produto para uma maior abrangência de usuários. Assim, a tendência do preço é reduzir de 50 a 60% do custo atual, caso haja produção em larga escala, diz o pesquisador Zucolotto.

 

Aplicações além da medicina 

Os biossensores Label-free são hoje utilizados em várias áreas da ciência, com aplicações distintas, como nos processos químicos e industriais, na agricultura e veterinária e no monitoramento ambiental:

  • As fermentações industriais, inclusive alimentícias e farmacêuticas, exigem um monitoramento contínuo, pelo fato de que os processos envolvidos nessas reações são altamente suscetíveis à contaminação. A utilização destes biossensores Label-free pode ser uma grande aliada na identificação de possíveis contaminantes, como microrganismos, metais pesados e reagentes indesejáveis ao processo.
  • No campo da agricultura, pode-se destacar o uso da ferramenta visando a identificação de compostos que possam prejudicar a saúde humana.
  • Já na veterinária, a fim de melhorar os sistemas de gestão de produção animal, o método pode ser utilizado na seleção de espermatozoides bovinos com características morfológicas e bioquímicas interessantes para uso na reprodução animal.
  • O dispositivo pode atuar na identificação de gases poluentes, metais pesados, pesticidas, herbicidas, fertilizantes e vários microrganismos, incluindo agentes patogênicos potencialmente aplicáveis em situações de terrorismo e guerras biológicas.
  • Além disso, a ferramenta pode ser utilizada em medicina forense na identificação de pequenas quantidades de amostra.

É fato que as aplicações são diversas, mas o princípio de funcionamento da ferramenta é basicamente o mesmo, atuando genericamente como um biossensor, quando a intenção é analisar produtos variados, ou como genossensores, se o intuito for a detecção de material genético.

 

Perspectivas Futuras

Embora o Label-free apresente importantes avanços em relação à praticidade e custo-benefício para o diagnóstico de doenças, ainda há desafios a serem vencidos para que ocorra uma produção em larga escala e a ferramenta esteja acessível à população. Até o momento, as pesquisas têm utilizado sequências-alvo sintéticas (DNA sintético). Porém, há perspectivas de que os estudos subsequentes utilizem sequências naturais provenientes de amostras reais de pacientes em diferentes estágios da doença. Consequentemente, o desempenho do dispositivo com amostras reais poderá diferir daquele obtido utilizando DNA sintético e os protocolos hoje utilizados para as amostras sintéticas, possivelmente, precisarão ser ajustados.

Outro desafio a ser vencido é a detecção diferencial de duas doenças em uma mesma amostra. Para isso, pode-se imobilizar a sequência de captura de cada amostra em um único biossensor. A sistematização do método, ou seja, a capacidade de se processar várias amostras em uma única análise, é de suma importância para agilizar os diagnósticos. Pesquisas estão sendo desenvolvidas a fim de se sistematizar o método, porém, os resultados ainda estão em fase de amadurecimento e requerem parcerias com instituições que contenham um banco de amostras de pacientes.  

Acredita-se que com a transferência de tecnologia, o Label-free poderá ser comercializado reunindo inúmeras qualidades como dispositivo portátil, breve tempo de resposta, precisão nos resultados e baixo custo, tornando-o de fácil acesso para a população. É a tecnologia destruindo barreiras, distâncias e, ao mesmo tempo, construindo pontes que nos conectam cada vez mais ao que antes parecia inacessível.

 

Leituras sugeridas

  • Faria, H.A.M. Biossensores descartáveis de DNA para detecção dos vírus da zika e da dengue [tese]. São Carlos: Instituto de Física de São Carlos; 2017 [citado 2018-04-20]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/76/76132/tde-05052017- 094358/.
  • Oliveira N.C.L.; Campos-Ferreira, D.S.; Nascimento, G.A.; Zanforlin, D.M.L.; Bezerra, W.S.R.; Santos, S.M.; Lima-Filho, J.L. DNA biosensor as a confirmatory test: Studies of household cleaners effects of onto electrochemical DNA detection. FSI: Genetics – Supplement Series. 2015; 5:162-164.
  • Ribovski L.; Zucolotto V.; Janegitz B.C. A label-free electrochemical DNA sensor to identify breast cancer susceptibility. Microchem J. 2017;133: 37–42.
  • Shin, Y.; Perera, A.P.; Kee, J.S.; Song, J.; Fang, Q.; Lo, G.Q.; Park, M.K. Label-free methylation specific sensor based on silicon microring resonators for detection and quantification of DNA methylation biomarkers in bladder cancer. Sens Actuators B Chem. 2013; 177:404-411.