Desafios da nutrição de peixes em cativeiro

O desenvolvimento de rações cada vez mais elaboradas e sistemas de proteção ambiental, fornecem maior sustentabilidade à produção de peixes
Erika Sayuri Kanashiro
kanashiroerika@gmail.com

DOI: 10.4322/temasbio.n2.022

A criação de organismos aquáticos em cativeiro, conhecida como aquicultura, apresenta-se como uma atividade emergente de extrema importância no contexto mundial, uma vez que o crescimento da população humana deve vir acompanhado pelo aumento na produção de alimentos.  Diferentemente das atividades extrativistas, as atividades agropecuárias, incluindo a aquicultura, surgem neste contexto como alternativas viáveis para garantir a segurança alimentar da crescente população mundial e das futuras gerações. A aquicultura possibilita conciliar produção de proteína animal e conservação dos recursos pesqueiros e sua biodiversidade, promovendo o desenvolvimento sustentável.  

 

Desafio nutricional

Em muitos países a aquicultura é caracterizada como sendo uma produção intensiva de apenas um tipo ou espécie, com elevado grau de adensamento populacional e com fornecimento de alimentação totalmente artificial. As rações empregadas nesses cultivos representam até 60% dos custos variáveis na aquicultura. Estas rações  devem assegurar que os animais expressem o máximo do seu potencial genético e, consequentemente,  maximizem  seu crescimento em cativeiro. As rações devem possuir uma composição nutricional ótima  baseada em fontes alimentares sustentáveis, que fortaleçam o sistema imunológico e a resistência a doenças, minimizando o stress e aumentando o bem-estar do animal. Além disso, as rações devem aumentar a qualidade do produto final e reduzir a poluição ambiental ocasionada pelos resíduos de ração não consumida e para o ambiente natural.

No caso do cultivo de peixes as rações são baseadas no uso da farinha e óleo de peixe. Atualmente 20% da produção mundial de peixes são  destinados para produção de farinha e óleo utilizados nas rações tornando a aquicultura de peixes altamente dependente deste recurso, o qual é advindo em grande parte da pesca extrativista. Este panorama é agravado pelo crescente aumento na atividade de cultivo de peixes para alimentação humana, o qual aumenta a demanda pelas espécies de peixes que são utilizadas na elaboração das rações para alimentar as espécies cultivadas, tornando esse recurso natural ainda mais escasso.  Nesse âmbito, nos últimos anos, muitos esforços de pesquisa tem sido realizados visando o estabelecimento de fontes alternativas que possibilitem a substituição do uso da farinha de peixe, bem como a suplementação de nutrientes para uma alimentação mais eficaz.

Utilização de peixes                                                                   Fonte: http://www.fao.org/3/a-i3807e.pdf (modificado)

Os peixes podem ocupar diferentes níveis na cadeia alimentar ou trófica. Espécies que se encontram nos níveis mais inferiores ,geralmente, são mais generalistas em sua alimentação.  Este fator facilita a elaboração de rações através da utilização de nutrientes de origem vegetal, o que leva a uma maior produção dessas espécies em cativeiro. Por outro lado, espécies que ocupam níveis tróficos mais superiores, como os carnívoros, necessitam do uso de rações elaboradas com nutrientes de origem animal. Nestes casos, a produtividade em cativeiro pode ser comprometida, uma vez que rações de origem vegetal costumam ser majoritariamente oferecidas. Como alternativa para enriquecimento nutricional dessas rações, resíduos de partes de peixes sem valor comercial  podem ser devidamente processados para originar produtos com qualidade nutricional equivalente às rações elaboradas com farinha e óleo de peixe.

Dado as facilidades de obtenção de produtos vegetais em larga escala, atualmente, a substituição de produtos animais por vegetais é um objetivo importante na aquicultura. O desenvolvimento da pesquisa e da tecnologia tem permitido que, cada vez mais, novas rações de origem vegetal possam apresentar qualidades nutricionais e digestibilidade próximas as obtidas pelas rações de origem animal.  

 

Desafio ambiental

O uso de dietas mal formuladas diminui a absorção da ração pelo animal, o que acarreta em uma maior excreção de resíduos que contribuem para a poluição dos ambientes aquáticos. Além da baixa digestão dos nutrientes, muitas vezes, grande parte dessa alimentação artificial não é ingerida, fornecendo uma descarga de resíduos orgânicos para o meio aquático. Frente a esta problemática, algumas práticas de manejo alimentar devem ser implementadas no cultivo.  

Dietas que apresentam maior equilíbrio nutricional diminuem o impacto orgânico causado tanto pela excreção quanto pelos restos alimentares não consumidos. O emprego de sistemas integrados como o policultivo ou cultivo combinado também é uma alternativa eficiente, por exemplo, o cultivo combinado de ostras ou de algas na aquicultura marinha.

Cadeia alimentar                                           Fonte: http://imagensgratis.com.br/imagens/imagens-imagens-cadeia-alimentar-74d...

No cultivo combinado, as ostras não concorrem com nenhuma das espécies de peixes cultivadas e ainda adicionam um valor ambiental e econômico por filtrar os resíduos orgânicos e plâncton. Neste tipo de sistema há uma otimização do suprimento de alimentação artificial o que minimiza  perdas de  nutrientes. No cultivo combinado de algas, estas auxiliam na absorção do dióxido de carbono, convertendo-o em biomassa, que pode ser útil para a alimentação humana, bem como para a produção de biocombustíveis, agregando valor econômico e ambiental ao sistema de cultivo.  

Também o uso dos chamados probióticos e prebióticos pode auxiliar na maior eficiência do cultivo. Os probióticos são células microbianas que são administradas de modo a serem incorporadas no trato intestinal dos organismos e permanecerem vivas, com objetivo de melhorar a saúde do animal. Por exemplo, o Lactobacillus plantarum é utilizado como probiótico em cultivo da tilápia do Nilo. Os prebióticos são geralmente fibras que administradas na alimentação irão estimular e facilitar o crescimento dos microorganismos benéficos (e os probióticos) da flora intestinal do animal hospedeiro, favorecendo a saúde do animal. Quanto melhor a saúde animal, melhor é o aproveitamento alimentar, menor a demanda pela administração de alimentos, menor a excreção animal, melhor a condição ambiental.

Todos estes esforços para elaboração de rações mais efetivas e minimização de impactos negativos sob o meio-ambiente, além de agregação de valor ao produto, tem possibilitado o aumento da produtividade em cativeiro e o desenvolvimento de uma aquicultura mundial mais sustentável, a qual atualmente já contribui com 50% da produção total de peixes destinados à alimentação humana.  

 

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