Controle biológico e uso de agrotóxicos

O ataque de pragas à cana de açúcar tem aumentado o uso de agrotóxicos. Soluções para o problema têm sido o controle biológico e melhoramento genético
Thais Gianotti Caromano
thagica_2@hotmail.com

Atualmente, os produtores de cana de açúcar se deparam com grandes prejuízos devido ao ataque de pragas, como consequência da eliminação da queimada e do uso de corte mecanizado, que aumenta a quantidade de matéria orgânica no solo, criando um ambiente propício para a proliferação dessas pragas.

Em contextos semelhantes, o controle biológico tem sido usado em muitos países como iniciativa para reduzir o uso de agrotóxicos. A expressão “controle biológico” designa todas as formas de controle que envolvem métodos biológicos, como alternativas ao uso de produtos químicos. O controle biológico apresenta vantagens sobre o controle químico por manter o equilíbrio ecológico do ambiente, mas, em contrapartida, requer mais tecnologia, é mais lento e de difícil aquisição, assim como é dependente da época do ano e seu custo é elevado.

Em Cuba, por exemplo, devido ao alto preço dos produtos para controle biológico importados, foram desenvolvidas localmente técnicas simples e de baixo custo, implementadas por associados de cooperativas e distribuídas por todo o País. No Brasil, órgãos estaduais de pesquisa e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também estão incentivando os agricultores a entrarem no programa de controle biológico, embora ainda encontrem muita resistência. Esses programas devem começar com o reconhecimento dos inimigos naturais da “praga-chave da cultura” (principal organismo que causa danos econômicos à lavoura) e de seu comportamento. A partir desse ponto, é necessário iniciar a pesquisa voltada à reprodução desse inimigo natural em grande quantidade e com custos reduzidos.

Pragas da cana

No caso específico da cana de açúcar, as mudanças no manejo da cultura anteriormente mencionadas (proibição da queimada e mecanização da colheita) e o consequente aumento da quantidade de matéria orgânica depositada no solo levaram, por exemplo, ao crescimento da população de cigarrinha da raiz (Mahanarva fimbriolata), que tanto na forma jovem como na adulta causa danos à plantação. As ninfas sugam as raízes, retirando água e nutrientes, e os adultos se alimentam das folhas. As folhas acabam secando, reduzindo a taxa de fotossíntese e, com isso, causando a queda na produtividade e na qualidade da matéria prima. O controle biológico da cigarrinha da raiz se inicia com o monitoramento no começo do período chuvoso e durante todo o período de infestação, sendo muito utilizados para combatê-las os fungos M.anisopliae, Batkoa apiculata, Entomophthora sp e Zoophthora sp.

Cigarrinha das raizes; Fêmea. Fonte: www.agrobyte.com.br Cigarrinha das raizes; Macho. Fonte: www.agrobyte.com.br

 

 

Bicudo da cana. Fonte: www4.esalq.usp.br/svcex/content/grupo-de-estudos-em-cana-de-a%C3%A7%C3%BAcar-geca

Outra praga da cana de açúcar de ocorrência restrita ao Estado de São Paulo que vem assumindo um grau de importância é o bicudo da cana de açúcar (Sphenophorus levis), que também causa prejuízos à planta tanto enquanto larva como na fase adulta. Eles vivem em torno de nove meses, e as larvas se alimentam das raízes da cana até virarem pupas, ou perfuram os colmos (espécie de “caule” da cana) abrindo grandes galerias e deixando o colmo podre e, consequentemente, levando à morte da planta. Para o controle dessa praga, usa-se a destruição das soqueiras (raízes que sobram após o corte da cana) com aração nos meses de abril a agosto, permitindo assim a exposição das larvas ao sol e a ação de pássaros, que as utilizam como alimento. Também são utilizadas iscas tóxicas  como por exemplo fungos das espécies Beauveria bassiana e Metarhizium anisoplia que são introduzidos no colmo da cana, para atrair os adultos da praga; a introdução nas raízes de nematóides entomopatogênicos da espécie Heterorhabditis sp produzidos em laboratório, também são utilizados como método de controle dessa praga

Já a broca da cana (Diatrea saccharalis) é a principal praga da cana de açúcar e tem sido controlada em áreas extensas com a liberação da vespinha Cotesia flavipes, cultivada em laboratórios. Neste caso, a lagarta jovem da broca da cana, inicialmente, se alimenta das folhas, e depois penetra pelas partes mais moles do colmo, abrindo galerias longitudinais ou, na maior parte das vezes, transversais (de baixo para cima), que trazem prejuízos diretos, como o tombamento da cana pelo vento. Além disso, a broca da cana acarreta perda de peso e morte das gemas (formação inicial de um ramo da planta, constituída por células meristemáticas; existem gemas axilares, responsáveis pela produção de folhas e gemas terminais, que são responsáveis pelo crescimento do vegetal); secamento dos ponteiros, que são conhecidos como o coração da cana nova; e enraizamento aéreo e brotações laterais. Também pode ocorrer podridão vermelha do colmo, pela penetração de fungos como Colletotrichum falcatum e Fusarium moniliforme pelos orifícios do colmo, diminuindo a pureza do caldo por inverter a sacarose. 

Lagarta de Diatraea saccharalis parasitada por Cotesia flavipes. Fonte: H.N. de Oliveira

 

Pesquisas

As pesquisas realizadas até o momento estão muito mais avançadas com relação ao controle biológico do bicudo da cana, do que em relação à cigarrinha das raízes. O setor canavieiro e pesquisadores de centros como a Embrapa, Instituto Agronômico (IAC) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dentre outros, realizam seminários e congressos para trocar e somar informações, principalmente relacionadas aos agentes naturais.

Com os estudos da Genética cada vez mais avançados, principalmente a Biotecnologia, o controle de pragas já tem abrangido métodos até mais eficientes do que a utilização de fungos, nematoides e relações entre insetos e pragas. A Biotecnologia, inclusive, tem sido de grande importância na colaboração para o aumento da produtividade e da qualidade das plantas, assim como para o desenvolvimento de plantas adaptadas a diversas condições ambientais. Esse sucesso se dá com a produção de plantas transgênicas, que se tornam resistentes a doenças e insetos, fazendo com que haja redução no uso de agrotóxicos e outros defensivos e aumento na produção.

O Laboratório de Biologia Molecular (LBM) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) é um dos laboratórios que produzem as canas transgênicas. Segundo Flávio Henrique da Silva, coordenador do LBM, a pesquisa voltada à cana transgênica resistente a pragas surgiu a partir da participação do Laboratório no projeto Genoma da Cana de Açúcar  Foram escolhidos genes que podiam ser relacionados com a defesa da planta em relação a pragas e caracterizadas proteínas relacionadas com a defesa do patógeno e inibidoras de proteases, chamadas de PR proteins (Pathogenesis-related protein). Embora essas proteínas provenham da própria cana de açúcar, a planta não a possui em quantidade suficiente para conseguir um efeito de resistência. Portanto, a primeira abordagem foi construir uma cana transgênica, pela introdução de um gene que codifica essa proteína e induz a planta a produzi-la em maiores quantidades, tornando-a resistente ao ataque de insetos. As canas de açúcar transgênicas são então selecionadas e analisadas, verificando a normalidade de seu crescimento, problemas no metabolismo e se realmente estão produzindo as proteínas. Esse tipo de abordagem tem sido muito eficiente para o controle do bicudo da cana.

Leituras sugeridas

  • Conceição LL, Silva CM. O controle biológico e suas aplicações na cultura de cana-de-açúcar . 2011
  • Maluf HJGM, Gonçalves LD, Oliveira JR.Melhoramento genético no controle da Broca comum da cultura da Cana-de-açúcar . 2010
  • Leite LG, Machado LA, Filho AB, Goulart RM, Tavares FM, Almeida JEM, Bussola RA. Avaliação de nematoides entomopatogênicos no controle da cigarrinha-da-raiz da cana de açúcar, Mahanarva fimbriolata.