Cavando a própria cova
DOI: 10.4322/temasbio.n3.008
Você já deve ter visto em filmes, documentários e programas de TV, aquelas belas paisagens onde o tempo parece não ter passado. Verdadeiros paraísos esquecidos, onde a natureza ainda reina e há poucos sinais de interferência humana. Infelizmente, esses cenários podem vir a ser somente parte da nossa imaginação, pois estamos vivenciando uma extinção em massa. Uma extinção desse tipo é caracterizada por uma grande perda da biodiversidade, onde ao menos 75% dos seres vivos desaparecem, geralmente, devido à uma mudança climática drástica, alta atividade vulcânica ou até mesmo impacto de meteoro. A que estamos vivendo tem uma causa diferente, a ação do homem.
Há evidências na ciência de que, desde o surgimento da Terra (4.6 bilhões de anos atrás), cinco grandes extinções já ocorreram. A primeira teria acontecido há 443 milhões de anos atrás e teve uma perda de 86% das espécies existentes. Suas principais causas foram os períodos glaciais e a variação no nível do mar. A segunda grande extinção teve uma causa diferente, o resfriamento global, com diminuição do nível de gás carbônico (CO2), essencial para os organismos fotossintetizantes produzirem oxigênio (O2), e teria acontecido há 359 milhões de anos atrás, eliminando cerca de 75% das espécies. A maior extinção em massa foi a terceira e extinguiu 96% das espécies, devido à alta atividade vulcânica associada ao aumento da temperatura global, águas marinhas e continentais sem oxigênio suficiente para a sobrevivência de organismos aquáticos e aumento de gases tóxicos, como CO2 e ácido sulfídrico (H2S). A quarta extinção foi causada por elevada atividade vulcânica que gerou o aumento de CO2, tornando o ambiente tóxico, sendo responsável pela perda de 80% das espécies, há 200 milhões de anos atrás. A última aconteceu há 65 milhões de anos atrás e teve uma perda de 76% das espécies causada por um impacto de meteoro e é, geralmente, lembrada pela extinção dos dinossauros.
Diagrama das extinções em massa com as datas e taxas de sobrevivência. |
Nós somos os grandes impulsionadores dessa atual grande extinção, e as principais causas são as mudanças climáticas que estão ocorrendo no mundo todo, derivadas das nossas ações, como desmatamento e poluição, associado à pesca e caça excessivas. Essas mudanças climáticas também causam mudanças na composição da atmosfera e dos oceanos prejudicando todos os organismos que lá habitam. A adição de elementos que podem ser tóxicos ou a remoção de outros elementos que podem ser essenciais para a sobrevivência de determinados organismos, a liberação de gases poluentes juntamente com o desmatamento, aumentam o efeito do aquecimento global, causando aumento das temperaturas, derretimento de geleiras e alterações na taxa pluviométrica.
Perda de espécies
Taxa de extinção de acordo com a IUCN ao longo dos últimos 514 anos. A linha preta mostra a taxa esperada de extinção natural. As linhas coloridas mostram como outros grupos de animais estão sendo extintos. Fonte: adaptado de CEBALLOS, et al. (2015) |
Todas essas alterações climáticas, químicas e físicas no ambiente causam grandes mudanças ecológicas no habitat e no comportamento dos seres vivos, levando a extinção de várias espécies, pois essas mudanças seriam mais rápidas que sua capacidade de se adaptar ou de se mover para poder sobreviver. Com relação aos animais, todos estão sujeitos à extinção, não importando seu tamanho ou onde vivem. Inclusive nós, seres humanos, por possuir uma complexa rede de dependência com a natureza.
A baleia-azul, o maior e mais pesado animal da Terra, também corre o risco de ser extinta, devido a sua caça recorrente desde o século XIX. Se a taxa de extinção permanecer constante como é hoje, dentro de 38 mil anos, todos os mamíferos serão extintos. Esse intervalo de tempo, embora pareça muito, não é nada quando comparado ao tempo geológico, aquele que vai além das unidades de tempo mais comuns, como dias, meses e anos, ou mesmo, séculos.Estima-se que cerca de 41% dos anfíbios, 26% dos mamíferos e 13% dos pássaros estão quase desaparecendo. É preocupante pensar que há espécies que acabaram de ser descobertas e já se encontram em extinção, como, por exemplo, uma nova espécie de sapinhos de 1 cm de comprimento que habita a Serra do Quiriri (Santa Catarina). Eles foram encontrados por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Paraná, em conjunto com a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, e sua potencial extinção poderá ser debitada a grandes alterações ambientais na região, como incêndios e criação de gado.
Sapo (Brachycephalus quiririensis) recém-descoberto e comparação de seu tamanho diminuto em relação a folha ao lado. Fonte: Wikipedia Commons; https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fa/Brachycephalus_ephip... |
Os danos não são poucos. De acordo com a União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN - sigla em inglês), só no último século, 477 espécies foram extintas! Para se ter uma ideia da gravidade, é esperado que, em uma taxa normal, somente duas a cada 10 mil espécies sejam perdidas a cada 100 anos. Perdemos, então, somente em um século, uma quantidade de espécies que demoraria mais de 10 mil anos para desaparecer a uma taxa normal de extinção. Se continuar nessa velocidade, onde vamos parar?
Lobo Cinzento do Parque Yellowstone, tirada no ano de 2000. Fonte: Wikipedia Commons; https://commons.wikimedia.org/wiki/File%3AYellowstone-wolf-17120-2.jpg |
Calma, ainda tem solução...
Mesmo nesse cenário mundial, mais do que alarmante, existem iniciativas para tentar mitigar os danos. No caso das mudanças climáticas, fonte dos maiores problemas atuais e futuros, vários esforços têm sido realizados. A COP - Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas é uma iniciativa internacional. Nesta conferência anual, líderes mundiais se reúnem para debater os problemas e discutir as soluções. De uma destas convenções surgiu o Protocolo de Kyoto, que visa diminuir a emissão de gases que contribuem para o efeito estufa.
Em alguns casos de espécies ameaçadas de extinção são feitos estudos sobre a origem das ameaças e procura-se realizar um projeto de conservação a partir desse conhecimento. Por exemplo, o lobo cinzento nos EUA, foi extinto em certas regiões devido à caça predatória, envenenamento e perda de habitat durante o século XX. No Parque Nacional Yellowstone, algumas dezenas de lobos foram reintroduzidos em 1995. Enquanto permaneceram localmente extintos, foram percebidas várias mudanças no parque, como aumento do número de veados, que causaram diminuição da vegetação e, consequentemente, reduziram o número de pássaros e castores. Com a reintrodução dos lobos, houve a diminuição do número de veados e a limitação dos lugares em que frequentavam, permitindo a recuperação da vegetação, que aumentou em 5 vezes sua quantidade em apenas 6 anos, e, consequentemente, o aumento do número de pássaros e de castores. Além disso, houve a diminuição dos coiotes que foram caçados pelos lobos, aumentando a quantidade de coelhos e ratos, aumentando também falcões, doninhas, raposas e texugos. A mudança foi extraordinária em toda paisagem. Quando os veados eram muito abundantes, se alimentaram da vegetação e as margens dos rios ficaram mais susceptíveis à erosão; com a volta dos lobos, a vegetação das margens do rio se tornou mais constante e a erosão diminuiu. Foi um projeto de sucesso que aumentou em muito o número de vários indivíduos de diferentes espécies, alcançando a meta prevista, mudando a paisagem do parque, reequilibrando a cadeia alimentar e trazendo mais diversidade.
Um projeto de reintrodução necessita de muito planejamento, pois não basta liberar os animais na natureza achando que eles conseguirão sobreviver. É necessário conhecer os hábitos da espécie e analisar se ela conseguirá sobreviver no ambiente, sua interação com outras espécies e as características do ambiente escolhido. Após a soltura, também é preciso um trabalho de monitoramento, para avaliar os resultados, positivos e/ou negativos. Um exemplo de reintrodução de aves seria o do Condor Americano, onde um zoológico na Califórnia (San Diego Zoo) reproduz os animais em cativeiro e depois solta-os na natureza para aumentar a densidade da população da ave.
Na China, o urso Panda sofre risco de extinção pela perda do seu habitat com a rápida urbanização, e o trabalho de ONG’s (Organizações Não Governamentais), voltado para educação ambiental, ensinando a população a conviver da melhor maneira possível com esses animais, tem ajudado em sua recuperação.
Mais perto de nós temos o exemplo do icônico mico-leão-dourado, espécie endêmica do estado do Rio de Janeiro (RJ) e ameaçada de extinção desde 1960. O Programa de Conservação dessa espécie teve início na década de 1970, através do Centro de Primatologia do RJ, e hoje é liderado pela Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD), a qual, juntamente com outros parceiros, tem o compromisso de proteger, preservar e estudar o mico e seu habitat. Além da criação da Reserva Biológica de Poço das Antas pelo atual IBAMA em 1974, uma outra ação foi criar os chamados corredores ecológicos entre os fragmentos de Mata Atlântica, já tão degradada. O objetivo é fazer com que, até 2025, dois mil micos-leões-dourados estejam vivendo livre em 25.000 hectares de florestas protegidas. Apesar de só haver 200 micos em 1960, hoje já se estima que 1200 indivíduos vivem em liberdade nas Matas do Rio de Janeiro, comprovando a importância de projetos de conservação para salvar as espécies em risco de extinção.
Assim, mesmo que as vezes tudo pareça culminar no ser humano destruindo o planeta, ainda tem pessoas trabalhando fervorosamente para que isso não ocorra. E você?
Ficou com vontade de ajudar?
Várias instituições de preservação, governamentais ou não, aceitam doações, abrem as portas para trabalho voluntário e vendem produtos para angariar fundos.
Algumas de voluntariado:
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão das unidades de conservação federais (Parques Nacionais, Estações Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental), fornece uma lista das várias unidades de conservação que aceitam voluntariado em todo o país.
A Associação Mata Ciliar, em Jundiaí (SP), aceita a doação de seu trabalho. Também mantém uma lojinha com bons preços.
A SOS Mata Atlântica é outra que está aberta ao trabalho voluntário, é só entrar em contato para saber sobre as reuniões e se cadastrar.
A Últimos Refúgios, uma instituição sem fins lucrativos, que atua em vários lugares do país, tem vagas para voluntários em várias funções (Jornalista, Analista de Mídia, Designer Gráfico, entre outros), produzindo material didático (palestras, cursos), midiático (documentários, livros fotográficos) e educação ambiental. Eles também vendem esse material, e tem projetos de afiliação com doações mensais (oferecendo descontos, certificados e contato direto com as suas ações no instituto).
Não tem tempo e quer dar uma ajudinha financeira?
A WWF-Brasil, além das doações normais, mantém um “Adote aqui” com espécies brasileiras, por exemplo, o boto-cor-de-rosa e a arara azul. Com uma taxa mensal, você pode ajudar a financiar projetos para conservação dessas espécies e ainda ganhar um kit com pelúcia, adesivo e certificado de doação.
Preserve Muriqui aceita doações (e também tem uma lojinha) para ajudar na preservação do Muriqui-do-norte, maior primata endêmico do Brasil, o qual vive na Mata Atlântica concentrado em somente um local, a sede da Estação Ecológica de Caratinga (EBC)-MG.
Leituras sugeridas
- Associação Mico-Leão-Dourado. Disponível em http://www.micoleao.org.br/template.php?pagina=/associacao/historico.php.... Acesso em Dezembro 02, 2015
- Barkosky AD. Transforming the global energy system is required to avoid the sixth mass extinction. MRS Energy & Sustainability. 2015; 2:E10.
- Ceballos G, Ehrlich PR, Barnosky AD, García A, Pringle RM, et al. Accelerated modern human–induced species losses: Entering the sixth mass extinction. Science Advance. 2015; 1(5):e1400253.
- Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Disponível em http://www.fundacaogrupoboticario.org.br/pt/pages/default.aspx. Acesso em Novembro 08, 2015.
- Pie MR, Ribeiro LF. A new species of Brachycephalus (Anura: Brachycephalidae) from the Quiriri mountain range of southern Brazil. PeerJ. 2015; 3:e1179.
- Wanjtal A, Silveira LF. A soltura de aves contribui para a sua conservação. Atualidades ornitológicas. 2000; 98(7).
- Zoológico de São Paulo, Mico-Leão-Dourado. Disponível em http://www.zoologico.sp.gov.br/mamiferos/micoleaodourado.htm. Acesso em Dezembro 03, 2015