Biofábricas: Os operários da vida

Entenda como organismos vivos podem auxiliar na prevenção da AIDS
Beatriz Cabrera Santana
Nádia Elisa Gonçalves
William Fortes
biahcabrera@hotmail.com

DOI: 10.4322/temasbio.n3.004

Imagine se os tratamentos para doenças como AIDS, diabetes, câncer, entre outras, pudessem ser mais baratos e acessíveis tanto para a indústria quanto para o consumidor? Pensando nisso, pesquisadores foram em busca de métodos alternativos para a fabricação de fármacos e descobriram que era possível extrair novas moléculas a partir de organismos vivos. Bactérias, fungos, plantas e animais, aliados à engenharia genética, são o segredo desta nova técnica que mostra resultados promissores. A extração destas moléculas é feita através de organismos geneticamente modificados (OGM), que passam a produzir a molécula de interesse em larga escala. Assim, tais organismos tornam-se autênticas fábricas biológicas, denominadas biofábricas.

Fonte: Getty Images

As biofábricas têm aplicações em diversos setores da economia como energia, agricultura e setor industrial. A utilização da cana-de-açúcar e do milho para obtenção de biocombustíveis ou, até mesmo, a fabricação de teias sintéticas através de bactérias são exemplos práticos de biofábricas. O setor da saúde também acompanha este progresso e surge uma nova variedade de drogas, os chamados biofármacos. 

Os biofármacos ou medicamentos biológicos diferem dos convencionais em sua composição e são estruturalmente parecidos com moléculas produzidas pelo corpo humano, o que os torna mais eficazes. O organismo vivo utilizado como base varia, pois, para cada molécula estudada, deve-se escolher a melhor biofábrica para produzi-la, embora as plantas têm se destacado nesse aspecto.

A pesquisa que deu início ao uso de plantas para este recurso ocorreu em 1986, com a extração de um hormônio de crescimento humano por meio de folhas de tabaco transgênico (Nicotiana tabacum). Além do tabaco, a soja (Glycine max), vem sendo estudada para criar substâncias que serão utilizadas na batalha contra o câncer de mama, conforme pesquisa desenvolvida pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Unicamp (Universidade de Campinas) e UnB (Universidade de Brasília).

Após alguns testes, o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Elíbio Rech, descobriu que plantas de soja transgênicas também seriam uma biofábrica ideal para produzir uma molécula protéica chamada Cianovirina, eficaz na redução de contágio de AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). O estudo é uma parceria entre a Embrapa e o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, sigla em inglês). A Cianovirina é uma proteína sintetizada por algas marinhas da espécie Nostoc ellipsosporum e seus efeitos positivos no tratamento da AIDS já eram conhecidos por pesquisadores, porém, a dificuldade estava em produzir a proteína em grandes quantidades. Algumas biofábricas foram testadas, entre elas outras plantas, inclusive o próprio tabaco, e bactérias como E. coli, mas a soja mostrou-se mais eficiente fornecendo uma maior quantidade da proteína, que fica armazenada em suas sementes, e o menor custo de investimento em pesquisa.

Fonte: Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB).

 

AIDS X Cianovirina

A Síndrome da Imunodeficiencia Adquirida é causada pelo vírus da Imunodeficiência humana (HIV). O vírus ataca o sistema imunológico, mais especificamente suas células, conhecidas como glóbulos brancos, que são responsáveis pela defesa do organismo contra doenças oportunistas. A transmissão da doença ocorre pelo contato direto com sangue, sêmen, secreção vaginal e leite materno contaminados. Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), até o final do ano de 2013, o número de indivíduos contaminados chegou a 35 milhões no mundo, sendo o continente africano um dos mais afetados, com 1,1 milhão de mortos. Já, na América Latina, que apresentava 1,6 milhão de doentes em 2014, o Brasil destacou-se pelo aumento de 11% no número de infectados entre o período de 2005 a 2013. 

A doença, que não tem cura, ainda hoje é tratada por medicamentos que bloqueiam a replicação viral, denominados anti-retrovirais; porém, tal tratamento enfrenta algumas dificuldades, além do seu alto custo. O paciente necessita tomar uma dose muito grande de medicamentos, em um tempo prolongado e, muitas vezes, surgem dúvidas na dosagem, gerando um uso inadequado, que implica numa maior resistência do agente viral. O vírus possui a capacidade gerar cópias de si mesmo no corpo infectado, de modo que podem aparecer “novas versões” do mesmo, denominadas de mutações. Isso tem proporcionado dificuldades no tratamento, pois para cada agente mutante haveria a necessidade de um medicamento específico.     

A Cianovirina, após ser incorporada aos genes da soja, é extraída de suas sementes e purificada em laboratório. A intenção da pesquisa é produzir um gel microbicida que deverá ser utilizado por mulheres, antes de relações sexuais, com o intuito de prevenir o contágio pelo vírus. É importante lembrar que o uso de outros métodos preventivos conjuntamente pode garantir um maior grau de segurança durante as relações sexuais.

No organismo, a substância atua envolvendo o vírus e ligando-se aos açúcares das moléculas virais impedindo sua replicação. Ao contrário dos tratamentos convencionais com anti-retrovirais, que apenas amenizam os sintomas da doença, a Cianovirina apresenta-se como uma alternativa eficaz, pois minimiza o problema do contágio pelo vírus por uma de suas principais vias de transmissão.

Diante dessa aplicação e visando auxiliar no combate à dispersão do HIV, em especial em países em que os índices de contágio ainda é muito alto, os responsáveis pela pesquisa pretendem isentar o pagamento de patente para a produção e uso do gel microbicida.

 

Leituras sugeridas

  • EMBRAPA. 2015. Fábricas Biológicas. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/3624041/fabricas-biol.... Acesso em Novembro de 2015.
  • Medeiros MGF. Plantas como potenciais biorreatores na produção de vacinas e fármacos. Embrapa Meio-Norte. Teresina, PI. 2008. 
  • O’Keefe BR, Murad AM, Vianna GR, Ramessar K, Saucedo CJ, et al. Engineering soya bean seeds as a scalable platform to produce cyanovirin-N, a non-ARV microbicide against HIV. Plant Biotechnology Journal. 2015; 13(7): 884–892.