Biocombustíveis: um futuro mais verde para a aviação civil?

Pesquisas analisam os desafios e as oportunidades tecnológicas e econômicas para a produção e comerc
Ariane Felga
arianefelga@yahoo.com.br

Energia pode ser definida como tudo que produz ou tem a capacidade de produzir uma ação, manifestando-se das mais variadas formas, como energia mecânica, calorífica, química, magnética, radiante, nuclear e elétrica, dentre outras. Energia não se cria nem se destrói, somente se transforma, a partir de sua extração da natureza.

Chegar em casa e apertar o interruptor para acender a lâmpada. Ligar o chuveiro e tomar um banho quente. Dar partida no carro e ouvir o ronco do motor. É fácil perceber que, no nosso dia a dia, convivemos com muitos aparelhos e máquinas que precisam de diferentes fontes de energia para funcionar. Dessa crescente demanda por energia e em decorrência da crise ambiental na atualidade, surge a necessidade de discutirmos melhor nosso modo de produzir e consumir combustíveis e energia elétrica, bem como torna-se urgente e intensa a procura por alternativas mais limpas e sustentáveis.

Classificamos as fontes de energia em dois tipos, renováveis e não renováveis. As fontes renováveis são aquelas encontradas em grande quantidade na natureza ou que são reabastecidas naturalmente e, assim, nunca se esgotarão. Exemplos são a energia eólica que tem origem na força dos ventos; a energia solar; a energia hidráulica que aproveita a energia potencial e cinética das quedas d’água, mares ou rios; e a energia geotérmica originada do calor vindo do interior da Terra. Já as fontes não renováveis são aquelas em que os recursos naturais, quando usados, não podem ser repostos pela natureza nem pela ação humana em um tempo útil. Os combustíveis fósseis e nucleares são exemplos de fontes desse tipo, já que sua capacidade de renovação é menor do que a velocidade de sua utilização. Atualmente, as fontes de energia não renováveis – como o petróleo, gás natural, carvão mineral e combustíveis nucleares – são as mais utilizadas. São consideradas “energias sujas”, uma vez que sua exploração e sua utilização geram graves danos ao meio ambiente. Assim, junto com uma grande preocupação ambiental, vêm ganhando forças os estudos para viabilizar a produção de bioenergia, termo que designa as formas de energia renovável obtida a partir de materiais derivados de fontes biológicas, englobando os biocombustíveis líquidos, a biomassa sólida e o biogás.

 

Bioquerosen

Bioenergia

A energia da biomassa é originada de matéria orgânica de origem animal ou vegetal, e é classificada conforme sua origem: florestal, como, por exemplo, a lenha; agrícola, com as produções de soja, cana de açúcar, milho, arroz etc.; e de resíduos industriais e urbanos, encontrados, por exemplo, nos aterros sanitários. Essas matérias primas são transformadas em energia através de diversos processos químicos, como combustão, fermentação e gaseificação. Exemplos são a combustão da madeira, de bagaço da cana de açúcar, casca de arroz e outros resíduos agrícolas.

Os biocombustíveis líquidos, ao contrário das fontes fósseis convencionais, também são derivados de matéria orgânica. Os mais conhecidos são o etanol e o biodiesel. O etanol é produzido pela fermentação de amido ou outros açúcares, obtidos da cana de açúcar, beterraba, milho e outros cereais, e vem sendo largamente utilizado como combustível de automóveis, na forma hidratada ou misturado com gasolina. O biodiesel também pode ser obtido de várias espécies vegetais, como girassol, amendoim, soja, mamona e algodão. É fabricado por um processo químico que se chama transesterificação, no qual a glicerina (destinada à produção de sabão) é separada da gordura ou do óleo vegetal.

Já o biogás é produzido a partir da decomposição de matéria orgânica, como, por exemplo, da decomposição do lixo urbano, de resíduos animais e de atividades agrícolas e do tratamento de efluentes domésticos. É muito vantajoso, pois, além de dar uma destinação útil aos resíduos sólidos produzidos pela população, é uma maneira de controlar também os gases tóxicos e de odores desagradáveis liberados nos “lixões”.

 

Voos mais sustentáveis

O setor de aviação é um dos que têm feito grandes investimentos para a obtenção de combustíveis a partir de fontes renováveis, devido aos altos custos dos combustíveis fósseis e, também, às metas de redução das emissões de CO2. A busca pelo chamado “bioquerosene” fez duas grandes fabricantes de aviões, Boeing e a Embraer, a se unirem para a elaboração de estudo que resultou no relatório intitulado “Plano de voo para biocombustíveis de aviação no Brasil: plano de ação”, divulgado em 2013. O plano, que foi elaborado sob coordenação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), envolveu diversas outras instituições, com o objetivo de oferecer subsídios para que o Brasil alcance posição de destaque na produção de biocombustíveis para a aviação. Quando o plano foi divulgado, duas tecnologias em desenvolvimento no Brasil receberam grande destaque, relacionadas aos bioquerosenes produzidos pelas empresas Amyris e Solazyme, ambas originárias do Estado da Califórnia, nos Estados Unidos.

Etanol de Segunda Geração

O etanol derivado da fermentação dos diversos vegetais produzidos na agricultura, como a cana de açúcar no Brasil, são ditos de primeira geração. Os biocombustíveis de segunda geração são obtidos da celulose, fibras vegetais encontradas na madeira ou em partes dos vegetais não comestíveis. O grande desafio atual é obter esses biocombustíveis de maneira eficiente e economicamente viável.

A Amyris produz, desde 2012, um produto líquido feito a partir do caldo de cana, o farneseno, utilizando uma linhagem de leveduras Saccharomyces cerevisiae geneticamente modificadas. Essa modificação leva os microrganismos a fazerem um processo de fermentação que leva à produção do farneseno, em vez do etanol. Em seguida, por processos de refino específicos, é possível transformar o farneseno tanto em bioquerosene – chamado de farnesano – como em outros produtos utilizados na indústria química. Já a Solazyme utiliza microalgas alimentadas com açúcares para a produção de bioquerosene. Essas microalgas são “engordadas” em fermentadores, produzindo um óleo em seu interior. Para a extração do óleo, é feito um processo de esmagamento e, em seguida, um processo de refino o fraciona em vários tipos de biocombustíveis e, mais uma vez, em outros produtos para a indústria química.

Contrapontos

No outro extremo dos investimentos na pesquisa sobre biocombustíveis, estão pesquisadores que os apontam como uma falsa solução para os problemas atuais. O primeiro argumento desses pesquisadores é que os biocombustíveis competem com os alimentos, já que a maior parte deles é produzida a partir de culturas alimentares, como no caso do etanol produzido a partir da cana de açúcar. Outro ponto discutido é o desmatamento que a produção em larga escala de biocombustíveis causaria, assim como a substituição da biodiversidade por monoculturas.

Querosene Bioquerosene
De fonte não renovável De fonte renovável 
Matéria prima: petróleo Matéria prima: cana de açúcar e óleos vegetais
Mais poluente  Menos poluente
Produção forte e em larga escala, distribuída por todo o mundo Produção sem escala industrial, apenas experimental
Único processo de produção Várias rotas tecnológicas
Preço de mercado Preço alto ainda

 De outro lado, a aceitação mundial do bioquerosone de avião tem no alto custo até o momento seu maior problema. Outro desafio é que seja aprovado em testes específicos e rigorosos de desempenho. E, por fim, é necessário comprovar o quanto mais sustentável e “limpo” o bioquerosene de fato é.