Adolescência antecipada

Cientistas descobrem que maturidade sexual precoce pode ser adquirida hereditariamente
Lucas Chiari
Bianca Santos
Fernanda Martins
lucasmchiari@gmail.com

DOI: 10.4322/temasbio.n3.007 

Você já se perguntou o que poderia ocasionar um engrossamento antecipado na voz de um garotinho, ou então como crianças do sexo feminino poderiam apresentar os seios em desenvolvimento antes do tempo? Essas perguntas foram feitas por uma médica brasileira, Ana Claudia Latronico, professora Titular do Departamento de Clínica Médica - Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), quando atendeu em seu consultório uma garota de 5 anos de idade com as mamas e pelos pubianos em crescimento. No entanto, o mais curioso para a médica foi o fato de a avó paterna da menina ter apresentado os mesmos sintomas quando criança.

A puberdade, segundo o Dr. Ivan Moreira da Silva Júnior, Mestre em Endocrinologia e Metabologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP, é provocada pela liberação de substâncias chamadas de hormônios que irão estimular o crescimento e mudanças em diferentes partes do corpo, principalmente nos órgãos reprodutores. Ela marca a mudança de um indivíduo ainda não fértil, para um sexualmente desenvolvido e fértil. A idade esperada para esse começo do desenvolvimento é em torno dos 8/9 anos.

A maturidade sexual está ligada a secreção de “fatores de liberação” no cérebro (hipotálamo), o qual irá enviar um sinal à uma glândula chamada hipófise, do tamanho de uma ervilha (que é dividida em adenoipófise e neuroipófise). Também está localizada no cérebro, a hipófise produz hormônios com diversas funções no ser humano, como, por exemplo, estimular o crescimento, e na mulher, especificamente, o espessamento do útero como preparação para receber o bebê e a ovulação.  

Ilustração do funcionamento da Hipófise (glândula cuja ligação ao Sistema Nervoso Central é mediada pelo Hipotálamo). O hipotálamo sintetiza e secreta os hormônios liberadores e inibidores que controlam a secreção de hormônios na hipófise. Os principais hormônios liberadores e inibidores hipotalamicos são: O hormônio liberador da tireotropina (TRH), que estimula a secreção de hormônio tireoestimulante (TSH); O hormônio liberador da gonadotropina (GNRH), que estimula a secreção de hormônio folículo estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH); O hormônio liberador de corticotropina (CRH) que estimula a secreção do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pelos corticotropos. Fonte: http://saude.culturamix.com/dicas/sistema-nervoso-e-endocrino

Os fatores de liberação do cérebro são secretados aos poucos com pico de excreção ocorrendo na puberdade do indivíduo. Estudos realizados em camundongos e macacos mostraram que a falta de controle dessas substâncias no cérebro e a ausência de “fatores inibitórios” contribuem para a puberdade antecipada. Dessa maneira, os pesquisadores e a médica Ana Cláudia resolveram pesquisar o motivo pelo qual algumas crianças começavam a secretar estes fatores de liberação tão cedo. 

Em 2004, foi descoberta por pesquisadores na cidade de Hershey (EUA) uma proteína chamada kisspeptin, necessária para o despertar da puberdade e a liberação dos hormônios pela glândula hipófise. Administrando essa proteína em ovelhas, os pesquisadores notaram um aumento nos fatores de liberação do cérebro em minutos, sugerindo então uma ação direta desta proteína sobre estes fatores de liberação. Em outro estudo, conduzido pela médica Ana Claudia e publicado no Jornal de Medicina da Inglaterra, foram analisados 40 indivíduos de 15 famílias compostas de pessoas que apresentavam puberdade antecipada. Os resultados mostraram que um gene chamado MKRN3 tem altos níveis de expressão no sistema nervoso, impedindo que a puberdade ocorra antes do tempo. Esse gene tem por função controlar a secreção dos fatores de liberação do cérebro. Ou seja, um defeito no gene da kisspeptin aumenta sua expressão e um defeito no gene MKRN3 diminui o controle sobre o início da puberdade e então, em conjunto, esses genes com mutações levam à adolescência precoce. O gene MKRN3 é passado pelo cromossomo sexual “X” do pai. Por essa razão, afeta mais mulheres do que homens, pois o gene é inativado no cromossomo X passado pela mãe. Os pais carregam o gene sem apresentarem a puberdade antecipada. 

A puberdade, assim, tem uma forte conexão com a genética, além da já conhecida influência ambiental e fisiológica.  A importância desse estudo é revelada também no âmbito da saúde. Isso porque, quando precoce em meninas, a puberdade tem relação com aumento do risco de câncer de mama, aumento de risco de câncer de endométrio, maiores chances de desenvolvimento de obesidade, diabetes tipo 2 e doença cardiovascular.  Além disso, a puberdade precoce também está associada a alterações psicológicas. O médico pesquisador Vinicius Nahime de Brito, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e a psicóloga Tais Menk, Mestre pelo Departamento de Endocrinologia, do Hospital das Clínicas de São Paulo, realizaram um estudo com 60 garotas, todas entre 6 e 11 anos de idade, para analisar o nível em que são afetadas emocionalmente por essas transformações antecipadas. Fizeram, testes psicológicos e avaliaram a personalidade e o grau de estresse antes, durante e depois do tratamento. Concluíram que as meninas com o desenvolvimento sexual em tempo inadequado apresentam uma visão da imagem corporal distorcida, sexualidade exagerada, sensação de inferioridade e acabam procurando um isolamento social. Esses sinais são amenizados quando se faz o bloqueio da liberação de hormônios que estimulam a maturidade sexual. Esta alternativa de bloqueio pode ser uma solução. Aplicadas uma vez a cada três meses, injeções de um composto que interrompe temporariamente a ação do hormônio que antecipa puberdade, pode manter o êxito no crescimento e desenvolvimento da criança e fazer os sinais da puberdade regredirem. Porém esse tratamento tem um custo alto - 500 a 800 reais por mês, e dura até aproximadamente os 12 anos. Novas pesquisas poderão diminuir esses custos e encontrar novos caminhos para a solução do problema.

 

Leituras sugeridas

  •  Jong MT, Gray TA, Ji Y., et al. A novel imprinted gene, encoding a RING zinc-finger protein, and overlapping antisense transcript in the Prader-Willi syndrome critical region. Human Molecular Genetics. 1999; 8:783-793.
  • Marshall WA. Variations in the pattern of pubertal changes in girls. Archives of Disease in Childhood. 1969; 44:291-303.
  • Messager S, Emmanouella E, Dan Ma C, Hendrick GA, Zahn D, et al. Kisspeptin directly stimulates gonadotropin-releasing hormone release via G protein-coupled receptor 54. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America. 2005; 102(5):1761-1766.
  • Silva, J. M. I. Endocrinologia Piracicaba. 2014. Puberdade. Disponível em: http://endocrinologiapiracicaba.com.br/endocrinologia/puberdade. Acesso em: Novembro 20, 2015.
  • Terasawa E, Fernandez DL. Neurobiological mechanisms of the onset of puberty in primates. Endocrine Reviews. 2001; 22:111-151.
  • Zhu H, Shah S, Shyh-Chang N., et al. Lin28a transgenic mice manifest size and puberty phenotypes identified in human genetic association studies. Nature Genetics. 2010; 42:626-630.