Âmbar: uma cápsula do tempo para o mundo dos dinossauros

Resina de árvore fossilizada conserva pedaço de cauda de dinossauro, permitindo pesquisadores saberem mais sobre a evolução das penas
Henrique S. Cunha
Elaine C. R. da Costa
Bernardo de C. P. e M. Peixoto
Carmen E. B. Ruiz
henriquestacunha@gmail.com

Há milhões de anos atrás, viviam na terra dinossauros com as mais diversas formas e tamanhos. Agora imagine se fosse possível voltar no tempo e ver todos esses magníficos animais que foram extintos com impacto de um meteorito há 65 milhões de anos. Poder ouvir os sons que reproduziam, sentir a textura da pele, compreender como se comportavam, e até mesmo ver as cores das penas que alguns apresentavam. Sim, penas! É verdade que as aves são dinossauros que sobreviveram a esse impacto, e compartilham muitas características com os vários grupos de dinossauros da época. Infelizmente, essa máquina do tempo ainda não existe. Porém, um ramo da ciência, conhecido como paleontologia, é capaz de reconstruir todo esse cenário levando nossa imaginação para quando esses fascinantes animais vivam sobre a terra.

A paleontologia acessa esse mundo antigo através dos fósseis, restos de seres vivos ou evidências de suas atividades biológicas que foram preservados com o passar dos anos por meio de processos naturais. O estudo dos fósseis já permitiu recuperar muita informação, mas a reconstrução desses animais e do mundo em que viviam ainda é incompleta, pois muita informação foi perdida no processo de fossilização. Paleontólogos se esforçam para retirar o máximo de informação dos fósseis para entender e reconstruir esses animais extintos e seu ambiente. Porém, há um limite, pois quase sempre os fósseis representam somente as partes duras dos animais, como ossos e dentes.

A ausência de tecidos moles impede que se possa conhecer mais profundamente os animais extintos. Sabemos mais ou menos sua forma, tamanho, como se locomoviam e o que comiam. Porém, para diversos grupos de dinossauros, não sabemos como era a textura da sua pele, sua cor e os seus órgãos. São raríssimos os fósseis que conservaram tecidos moles, como pele, músculos ou penas e, mesmo assim, a conservação é limitada. Às vezes são impressões desses tecidos ou tecidos muito alterados pelos processos físico-químicos da fossilização.

Âmbar com UV. Fonte: Royal Saskatchewan Museum

Publicada na revista científica Current Biology, uma incrível descoberta nos permitiu literalmente ver algo além dos ossos do corpo de um dinossauro. Trata-se de um âmbar, resina de origem vegetal, que conservou em seu interior um pedaço da cauda de um dinossauro de 99 milhões de anos!

O exemplar, surpreendentemente, foi comprado em um mercado popular na cidade de Myitkyina, em Myanmar (Sul da Ásia). Inicialmente, pensou-se que a estrutura observada dentro do âmbar se tratava de um galho de uma planta, que foi capturado junto com um inseto pela seiva da árvore. Porém, uma análise mais minuciosa revelou tratar-se da cauda de um dinossauro. A cauda encontrada tem aproximadamente 3,6 centímetros de comprimento, estando ainda preenchida de carne e ossos que conservava pele e penas. De acordo com os pesquisadores, a estrutura pertenceu a um dinossauro juvenil de pequeno porte.

Micrografia da cauda encontrada. Fonte: Lida Xing

A análise das vértebras e das penas permitiu dizer que se trata de um dinossauro theropode: grupo de dinossauros bípedes e em sua maioria, carnívoros; mas especificamente do grupo Coelurosauria (lê-se “celurosauria”), dos quais fazem parte dinossauros como Tyrannosaurus sp., Velociraptor sp. e todas as aves. Não é possível ser mais preciso sobre a espécie a que pertencia esse dinossauro, mas sabe-se que o grupo evoluiu paralelamente às aves. Por compartilhar com elas um ancestral comum, apresentam características similares, como as penas. Apesar desse dinossauro não aviano possuir penas a estrutura delas é diferente das existentes nas aves: são penas primitivas que serviam apenas para proteger a pele e manter a temperatura. As penas das aves atuais são estruturalmente diferentes e algumas são especializadas para tornar o voo possível.

Uma análise química do material encontrado revelou traços de ferro que são provavelmente provenientes de hemoglobina preservada desse animal no âmbar. A estrutura encontra-se tão bem preservada que até mesmo as cores das penas puderam ser observadas, indicando que eram escuras na parte de cima e mais claras, quase brancas, na parte de baixo. Sabendo dessas características, os cientistas reconstruíram uma imagem de como esse espécime deve se aparecer. E o resultado foi surpreendente.

Tecnologia aliada à paleontologia

A recente descoberta foi possível através de várias tecnologias aliadas a paleontologia, como a micrografia de raios X com contraste de propagação, a qual é capaz de produzir imagens de alta resolução a partir da superfície de uma amostra, além desta técnica foram utilizadas também microscopia padrão, microscopia eletrônica de varredura, análise de fluorescência e reconstrução 3D. O âmbar foi analisado para obter informações de extrema importância sobre a cauda do pequeno dinossauro. O mais interessante é que os cientistas conseguiram mantê-lo intacto para o estudo, mesmo o fóssil sendo muito pequeno. Foram utilizadas várias tecnologias para que ocorresse essa preservação.

É impossível pensar em dinossauros e âmbares sem pensar no filme Jurassic Park. Parece que o criador da série, Michael Crichton, não sonhou tão alto ao imaginar que mosquitos presos em âmbar poderiam carregar sangue de dinossauros em seu sistema digestório. A presente descoberta também é incrível: uma parte íntegra de um dinossauro conservada em âmbar.

Na série, o sangue dos dinossauros retirado dos mosquitos é utilizado para trazê-los de volta a vida através de técnicas de manipulação do genoma e clonagem. Então, se temos uma parte mumificada de um dinossauro, será que não poder-se-ia extrair o genoma dos tecidos moles e, através de técnicas de clonagem, gerar um dinossauro de proveta?

É tentador e plausível, porém, ainda não é possível. A ciência corre para tentar encontrar moléculas íntegras de DNA em fósseis como esse. Uma descoberta assim permitiria entender melhor a evolução dos dinossauros e das aves através da análise do genoma conservando, e quem sabe, no futuro, ir além, e de fato, gerar um dinossauro de proveta.

Até o momento, não foram feitos estudos genéticos nessa cauda, contudo, apesar dos tecidos estarem relativamente bem conservados, é improvável que se consiga recuperar o seu DNA. As moléculas de DNA são relativamente resistentes, todavia, 99 milhões de anos é muito tempo. A maior parte do material genético deve estar degradada. Se existirem moléculas de DNA com tamanho suficiente para trazer alguma informação útil sobre o dinossauro, certamente estão em baixíssima concentração ou já totalmente degradadas.

Entretanto, é difícil dizer que algo é improvável, pois o avanço tecnológico é crescente e trazer, no futuro, um espécime desses incríveis animais do Mesozoico de volta à vida pode não ser absolutamente impossível.

  

Leitura Sugerida

  • Paula F. Campos et al. The half-life of DNA in bone: measuring decay kinetics in 158 dated fossils. 10 October 2012.DOI: 10.1098/rspb.2012.1745
  • Organic chemistry of embalming agents in Pharaonic and Graeco-Roman mummies [Internet]. Nature ISSN 1476-4687 [update 2001 Aug 31; cited: 2017 Nov 03] Available from: https://www.nature.com/articles/35101588
  • Xing, Lida et al. A Feathered Dinosaur Tail with Primitive Plumage Trapped in Mid-Cretaceous Amber. Current Biology, 2016, Volume 26, Issue 24, 3352 – 3360. 125