Um alguém tão semelhante

Entenda como os animais mais parecidos conosco se relacionam e quais são as características comportamentais que mais nos aproximam
Karen Carolina da Silva
karen.c.silva@hotmail.com

Pegar uma fruta no chão usando as mãos pode parecer algo muito simples para nós humanos, mas pense: que outros animais você já viu fazer isso? Esse ato não é comum no mundo animal, mas você com certeza já viu algum outro primata realizando essa tarefa. São inúmeras as características comportamentais comuns aos humanos e primatas não humanos. Pegar um objeto com as mãos, dar abraços afetuosos, transmitir mensagens mais elaboradas por meio de vocalização são exemplos intrigantes que nos aproximam deles. Recentes estudos mostram que os outros primatas têm atitudes semelhantes às nossas e uma grande capacidade de se organizar em grupo. 

Primatas é a denominação que se dá para um agrupamento de animais mamíferos que possuem características comuns, como por exemplo cinco dígitos nas mãos e nos pés; retenção da clavícula (o osso dos ombros) que possibilita maior movimentação dos braços; geralmente somente um filhote por gestação, tendo este filhote um desenvolvimento em fases: infância, adolescência, fase adulta e idoso; cérebro relativamente grande quando comparado ao corpo.

Os primatas mais conhecidos são os micos-leões, os muriquis, os saguis, os chimpanzés, os gorilas e também nós, os humanos. A maioria dos primatas é arborícola, entretanto alguns se tornaram terrestres posteriormente, como por exemplo os babuínos. Os humanos são os mais terrestres dentre todos os primatas. 

Muito se sabe hoje sobre o modo de vida e as relações sociais em grupos de primatas não humanos. Todo esse conhecimento é obtido através de estudos e observação desses animais em seu ambiente natural e também de animais que vivem em cativeiros e zoológicos. Esse tipo de estudo é baseado no comportamento animal que é a forma como o animal interage com o ambiente, podendo envolver instinto, formas de comunicação, aprendizado e a transmissão de conhecimento da espécie. A ciência que estuda o comportamento animal é chamada de Etologia.

O comportamento é fundamental nas adaptações das funções biológicas, tendo grande participação na evolução da espécie, e sendo portanto uma das propriedades mais importantes da vida do animal. Até mesmo os primeiros indícios de degradação ambiental podem ser fortemente notados através do comportamento de animais que vivem em determinados ambientes, pois se um animal se sente ameaçado ou perde parte de seu habitat certamente sofrerá um estresse que poderá ser visível em seus atos, podendo haver fuga, invasão de outras áreas e mudanças alimentares. É importante conhecer o comportamento de uma espécie até mesmo para estabelecer métodos para a conservação da biodiversidade local.

 

Comportamento dos primatas e a sociedade humana

Estudos na área da psicologia tentam buscar relações entre o comportamento em grupo de macacos e do homem. Essas pesquisas indicaram que os homens e os outros primatas não humanos têm comportamento sociais muito parecidos, como por exemplo a divisão de trabalho, batalhas pelo poder e por território, e relações afetivas. 

Frans de Waal em seu livro “Eu primata” cita o caso de um chimpanzé em um zoológico que deu sua vida ao mergulhar na água para salvar um filhote que havia caído ao descuido de sua mãe. O incrível nesse relato é imaginar que um animal como o chimpanzé que não sabem nadar tivera a coragem necessária de se arriscar para salvar um de sua espécie. Esse comportamento altruísta, ou seja de ações que beneficiam apenas a outros, é típico de humanos. 

Charles Darwin, cientista e autor do livro “A origem das espécies”, reconheceu a solidariedade e o altruísmo dos animais quando observou que “muitos animais certamente se solidarizam uns com os outros em momentos de aflição ou perigo”. O que Darwin relatou pode ser observado no reflexo das ações de alguns primatas que cuidam de seus companheiros feridos, indo em busca de alimento para o companheiro mais velho que já não consegue caçar ou subir em árvores e até mesmo cuidando de filhotes com os quais não possuem nenhum tipo de parentesco.

Outro tipo de comportamento observado em primatas não humanos que está fortemente relacionado com hábitos dos homens é o uso de ferramentas para obtenção de alimentos. É o caso dos macacos-prego que utilizam pedras para quebrar cocos, e galhos para escavar o solo na procura de raízes. Alguns pesquisadores observaram que nem sempre os macacos-prego comiam os cocos que quebravam, e mesmo assim continuavam a quebrar apenas por saber que podiam. Os pesquisadores observaram ainda que esse tipo de domínio era passado para outros do grupo, parecendo portanto haver um indício de cultura (passagem de conhecimento) entre esses animais. 

Pesquisas recentes na área de genética sugerem que as relações sociais podem ser transmitidas através do DNA. Para alguns cientistas se o comportamento social fosse estabelecido somente pela ecologia, as espécies relacionadas que vivem em ambientes diferentes deveriam apresentar uma variedade de estruturas sociais e não é isso o que ocorre. Os cientistas da universidade de Oxford, Susanne Shultz, Christopher Opie e Quentin Atkinson, contudo, supõe que as espécies de primatas tendem a ter a mesma estrutura social, independentemente se vivem próximas entre si ou não.

 

A comunicação entre os primatas

A comunicação é um importante recurso utilizado para o relacionamento em uma sociedade. Desde o período pré-histórico o homem passou a desenvolver cada vez mais sua comunicação, através de pinturas, da escrita, de expressões faciais e da fala. Não tão diferente são os meios de comunicações entre os outros primatas, em que muitas espécies utilizam a vocalização de sons muitas vezes característicos e únicos de cada grupo. 

Dentre todos as áreas da ciência também há uma específica para o estudo desse tipo de comunicação, é a ciência da bioacústica. A bioacústica estuda os diferentes tipos de sons que tem papel fundamental no comportamento de determinadas espécies. Para esse tipo de trabalho são desenvolvidos equipamentos de gravações e programas de computadores que auxiliam na captura e na posterior reprodução desses sons. Os primeiros pesquisadores a utilizarem a bioacústica foram os ornitólogos, que são os estudiosos das aves, mas outros profissionais também trabalham com os diferentes tipos de sons da natureza, como os entomólogos, que estudam os insetos, e os primatólogos, que trabalham com primatas.

Existem alguns tipos de sinais comunicativos entre os primatas: o visual, o tátil, o auditivo - que tem relação com o vocal- e o químico (glândulas e secreções). Dentre os primatas a comunicação sonora é utilizada para estabelecer as relações sociais como hierarquias, ou seja, quem manda no grupo, para relações de acasalamento e para comunicar um possível perigo próximo como por exemplo, predadores. O pesquisador Eduardo Ottoni do instituto de psicologia da USP afirma que a comunicação sonora entre os primatas pode ser mais complexa e elaborada do que imaginamos, é o caso, por exemplo, dos macacos vervet que vivem no Sul da África e vocalizam sons diferentes para cada tipo de predador que avistam como leopardos, águia e cobra.  

Muitos cientistas estabelecem relações entre a linguagem e o desenvolvimento de áreas do cérebro.  Através de ressonância magnética do cérebro de alguns primatas, como os bonobos, chimpanzés e gorilas, pode-se observar coincidências de regiões equivalentes às do cérebro humano que são responsáveis pela função da linguagem. Esse estudo reforça uma das características mais marcantes dos primatas, o cérebro grande quando comparado ao tamanho do corpo.

 

Primatas e o contato com humanos 

A principal causa da interação de primatas não humanos com os humanos se dá devido a aproximação das construções civis, como casas e prédios que são construídos em locais próximos às florestas onde esses animais vivem. A destruição de habitats causada pelo desmatamento é o principal fator de fuga desses animais e de invasões às residências. Geralmente esse tipo de interação é devido à procura de alimentos e nem sempre é uma aproximação amistosa, havendo relatos de maus tratos, capturas e, até mesmo transmissão de doenças por ambos os lados.

Em muitas culturas os primatas são tomados como animais de estimação por apresentarem comportamento bem próximos aos dos humanos. Na índia é possível comprar um macaco pelo preço de aproximadamente R$ 48,00. E países como a Índia, Malásia e Indonésia, as pessoas possuem macacos e são habituadas a passear com eles em coleiras e até mesmo exibi-los em apresentações nas ruas como forma de ganhar dinheiro.

Algumas tribos fazem do macaco uma das suas principais refeições. Tribos no Brasil como o Guajás, no Maranhão e em muitos países Africanos e Asiáticos, caçam macacos utilizando dardos envenenados. Até um certo ponto a caça não prejudica as espécies, se for controlada e não excessiva. Noentanto, em alguns lugares a caça de primatas coloca em risco a sobrevivência de populações de primatas. Muitos primatas estão em risco de extinção e há diversas instituições e órgãos não governamentais que trabalham para que muitas dessas espécies possam ser protegidas e não desapareçam para sempre.

Esses animais, assim como muitos outros, são atingidos pelo desmatamento, pelos incêndios florestais, pela caça e pelo tráfico. A principal causa de todos esses problemas somos nós, os humanos, também primatas, com tantas semelhanças e organização social tão parecida com as desses animais, com sentimentos e ações tão próximas às deles. E que muito provavelmente é a principal ameaça que eles enfrentam.

 

Leituras sugeridas

  • Waal F. Eu Primata - Por que somos como somos. Companhia das letras. 2007 
  • Darwin C. A origem das espécies. Lelo & Irmão, 2005.
  • Garber PA, Estrada A, Bicca-Marques JC, Heymann EW, Strier KB. South American Primates- Comparative Perspectives in the Study of Behavior, Ecology, and Conservation. 2008.