Sua cara diz muito para eles

Pesquisas recentes com animais domésticos comprovaram uma antiga suspeita. Eles são capazes de entender nossas expressões faciais
Heloisa Bertolli
Vitor Sartori
Bruno H. Saranholi
heloisabertolli@gmail.com

 

A expressão de raiva que você realiza quando seu animal faz algo errado ou o sorriso que escapa quando você o vê, podem sim ser interpretadas por eles - esses são os resultados de pesquisas recentes produzidas sobre as evidências do entendimento desses bichinhos. A capacidade de diferenciar expressões alegres de raivosas, por exemplo, é de extrema importância para manter a boa convivência e harmonia nas relações estabelecidas pelos animais - seja com outros animais ou com os humanos, incluindo seus donos. Por conseguirem identificar emoções corretamente, os animais podem tomar decisões sobre a maneira de se comportar e responder a esses estímulos.

A maioria dos animais têm seu próprio código para demonstrar a outros indivíduos de sua espécie intenções e comportamentos, isso se traduz em um recurso importantíssimo para a convivência dos membros do grupo. Muitos mamíferos e aves demonstram seu comportamento por expressões corporais, como levantar as asas ou movimentar a cauda. Esse tipo de comunicação permite aos outros animais perceberem se estão sendo ameaçados ou bem recebidos em um novo espaço, por exemplo.

O reconhecimento de expressões faciais é mais um desses códigos, indivíduos de uma mesma espécie entendem uns aos outros pela expressão. Se o entendimento dentro da espécie é um importante recurso social, significa que os animais não agem unicamente por instinto, existe um mecanismo intermediário: a comunicação. A inferência também é válida para o entendimento entre espécies diferentes. Quando animais domésticos passam a recorrer à comunicação, demonstram, por consequência, um interesse direto em responder ao estímulo dado de forma compatível. Animais e humanos são capazes, portanto, de coordenar sua convivência.

Ainda que a relação não seja equivalente para todos os animais, algumas espécies já possuem um histórico de convívio bem antigo com os humanos. Nossa relação com os cavalos é familiar há muito tempo, ampara e facilita diversas atividades humanas. Estudos realizados por um grupo de pesquisadores liderados por Amy Victoria Smith da University of Sussex obtiveram a primeira comprovação da habilidade desses animais de distinguir entre feições humanas alegres ou raivosas. O processo começa quando o animal percebe o estímulo negativo (a feição raivosa), no seu primeiro olhar unilocular à imagem, na maioria das vezes, preferencialmente pelo lado esquerdo. Além de observar essa preferência de olhar, constatou-se também que o comportamento é conjuntamente influenciado pelo tempo gasto mantendo esse olhar lateralizado à esquerda, com o tempo que o animal fica exercendo uma postura preventiva, ou seja, evitando o contato. A terceira e última variável perceptível foi o aumento do ritmo cardíaco com o estímulo negativo. Curiosamente, ao perceber a feição alegre, os cavalos não manifestaram nenhuma lateralidade preferencial na direção de seu olhar. Além disso, adotaram uma postura de maior aproximação e nenhuma alteração no ritmo cardíaco, caraterísticas que podem ser correlacionadas com o estímulo positivo.

Kum e sua parte humana. Fonte: Daniela M. Chiconello Denda

Como as alterações fisiológicas descritas só puderam ser computadas quando os estímulos foram negativos, tende-se a acreditar que esses são, na verdade, o tipo mais relevante para os animais. Reconhecer e responder aos estímulos agressivos permite que eles antecipem potenciais comportamentos agressivos, ameaças e, em consequência, aumenta a capacidade de evitá-los ou contorná-los.

O fato é que, de alguma forma, animais domésticos passaram a compreender os significados das nossas expressões, talvez como consequência da crescente relação conosco.

Conclusões similares também foram obtidas por um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo, liderados por Natalia Albuquerque, que realizaram experimentos com cães, incluindo expressões faciais de outros cães, seus ruídos e suas vocalizações. Os resultados mostraram que cães conseguem perceber tanto estímulos visuais quanto sonoros de humanos e interpretá-los como amigáveis ou não. Apesar do reconhecimento ser mais facilmente entendido frente imagens expressivas de outros cães, cães que nunca foram treinados para isso, também responderam aos estímulos humanos. Ainda que os estímulos viessem de pessoas desconhecidas ou em linguagens desconhecidas, o animal conseguiu responder ao estímulo indicando que, provavelmente, trata-se de um mecanismo intrínseco de reconhecimento dos cães. Compilando todos esses resultados, os pesquisadores presumem que os cães têm capacidade semelhante a de primatas para reconhecer expressões e, por consequência, as emoções por trás delas.

As relações que temos com outros animais é muito mais antiga do que sequer conseguimos assimilar. Ao longo de todo esse tempo, aprendemos a entendê-los e eles, por sua vez, parecem também tentar nos entender. Ainda há muito o que aprender, como as relações que ainda não entendemos ou os comportamentos desconexos, mas, por enquanto, uma coisa já sabemos fazer: chegar em casa, sorrir e abraçar esses bichinhos!

  

Leitura Sugerida

  • Smith, Amy Victoria et al. Functionally relevant responses to human facial expressions of emotion in the domestic horse (Equus caballus). Biology letters, v. 12, n. 2, p. 20150907, 2016.
  • Albuquerque, Natalia et al. Dogs recognize dog and human emotion. Biology letters, v.12, n.1, p. 20150883, 2016
  • Schimidt, Karen L.; COHN, Jeffrey F. Human facial expressions as adaptations: Evolutionary questions in facial expression research. American jornal of physical anthropology, v.116, n. S33, p. 3-24, 2001