Mata Atlântica e o seu processo de extinção

Os processos agressivos contra este bioma levaram ao desaparecimento de diversas espécies, incluindo três espécies de aves nativas do Brasil
Silvia Helena Flamini
teia.flamini@gmail.com

A Mata Atlântica é considerada uma das mais importantes florestas tropicais pluviais do mundo e uma área riquíssima em biodiversidade, decretada Reserva da Biosfera pela UNESCO e Patrimônio Nacional, na Constituição Federal de 1988. Entretanto, encontra-se em processo de extinção. Dentre as agressões sofridas pela intervenção humana a este bioma, destacam-se a especulação imobiliária, a poluição ambiental e o corte ilegal de árvores. Estes são alguns fatores responsáveis pela deleção de vários organismos endêmicos ou não, e dentre eles, três espécies de aves nativas do Brasil já são consideradas extintas: caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum), o gritador-do-nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti) e o limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi), que habitavam a Mata Atlântica na região nordeste do país.

Outrora, com a chegada dos primeiros europeus ao continente brasileiro no ano de 1500, a Mata Atlântica cobria 15% do território nacional e sua extensão compreendia cerca de 1.306.421 km², abrangendo 17 estados brasileiros: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo. A Mata Atlântica era composta por diversas formações florestais (cuja presença de árvores de médio e grande porte, forma uma floresta fechada e densa) e ecossistemas integrados (restingas, manguezais e campos de altitude - pontos montanhosos elevados - das faixas litorâneas ao longo da costa Atlântica). 

Atualmente em seu estado reduzido e fragmentado, seus remanescentes de vegetação nativa são encontrados em dessemelhantes estágios de regeneração e a uma pequena percentagem são atribuídos estados de conservação. Segundo pesquisas realizadas pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), somados todos os fragmentos de floresta nativa acima de três hectares, restam 12,5% dos 1.306.421 km² originais. Em quase três décadas, a Mata Atlântica perdeu 1.850.896 hectares, ou 18.509 km², restando apenas 8,5% de remanescentes florestais acima de 100 hectares. Com a aprovação do novo Código Florestal, a taxa de desmatamento nas áreas de Mata Atlântica elevou-se para 9%, comparado ao período precedente. 

A agressividade cometida sobre este bioma resultou em fragmentação, e esta culmina na alteração estrutural e dinâmica do ecossistema; esta supressão de áreas da Mata Atlântica se relaciona, de forma intrínseca, com as maneiras de uso da terra, e as pressões exercidas no bioma são historicamente antigas englobando práticas humanas. A Mata Atlântica foi continuamente pressionada por um sistema que esgota seus recursos naturais, estimulado por um planejamento que visa à lógica de curto prazo, com um terrível absentismo da valorização das ações sustentáveis. 

Muitos organismos sucumbiram perante a ação exploratória e desenfreada deste bioma, e outros estão severamente ameaçados. São exemplos de fauna: Onça Pintada (Panthera onça), Arara Azul (Anodorhynchus hyacinthinus), Mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), Tatu-canastra (Priodontes maximus), e Jaguatirica (Leopardus pardalis); flora: palmito juçara (Euterpe edulis), araucária (Araucaria angustifolia), orquídeas e bromélias, além de plantas medicinais retiradas sem que haja medidas sustentáveis para sua manutenção.

Em um ambiente natural onde haja entrelaçamento de espécies ocasionando uma interdependência, o desaparecimento de um animal ou planta leva ao comprometimento do estado de equilíbrio e estabilidade ambientais. Por exemplo: a dispersão das sementes do jatobá (Hymenaea courbaril) depende dos roedores de médio e grande porte, que consumem o fruto e rompem a casca. Com a diminuição das populações desses animais, os frutos não ingeridos permanecem no chão, e a posterior germinação das sementes não ocorre. Na medida em que os adultos da espécie do jatobá forem desaparecendo, suas flores e néctar (fonte alimentar dos morcegos – também excelentes dispersores de sementes) ficarão escassos e a cadeia alimentar comprometida.

A preservação da biodiversidade faz-se necessária: ela é uma propriedade natural fundamental, responsável pelos processos naturais e produtos oferecidos pelos ecossistemas e espécies a eles associados, propiciando suporte para os seres vivos e manutenção da biosfera. 

Diversos valores são atribuídos às suas funções ecológicas, como os valores econômico, científico, cultural e educacional, além da valorização estética. Sua essencialidade pode ser constatada listando os inúmeros benefícios ofertados: manutenção clima, oferta de oxigênio e purificação do ar, proteção dos solos contra erosão, controle natural de pragas, polinização além de tantos outros. A biodiversidade gera trabalho e é uma fonte de lucro para a sociedade, sem sua conservação a garantia de sobrevivência é comprometida para a grande maioria das espécies de vegetais e animais (incluindo o ser humano). 

Estudos realizados neste ano de 2014 indicam que três espécies biológicas de aves endêmicas foram decretadas como potencialmente extintas, em virtude de sua ausência por prolongados períodos nos registros oficiais: caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum), gritador-do-nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti) e limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi). A ocorrência destas aves compreende uma estreita faixa de Mata Atlântica, localizada ao norte do Rio São Francisco. É conhecida como Centro de Endemismo de Pernambuco (CPE), abrangendo as áreas estatais de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. O CPE é considerado uma região distinta na qual habitam espécies que possuem grupos próximos na Amazônia e Mata Atlântica. Isto é um forte indício de que esta região foi, em um período passado, um “refúgio” durante secas que ocorreram no Pleistoceno, propiciando a evolução peculiar da fauna e flora locais. 

O Caburé-de-pernambuco é uma pequena coruja que pertence à ordem Strigformes, família Strigidae. Sua descrição ocorreu recentemente, no ano de 2002, e foi baseada em dois exemplares machos taxidermizados da Universidade Federal de Pernambuco; há ainda uma única gravação desta espécie datada do ano 1990. Atualmente, esta ave habitava pequenos fragmentos florestais de baixada, medindo cerca de 14 centímetros. Em sua dieta alimentar ingeria insetos grandes, diminutos mamíferos, répteis e outras aves, com nidificação em cavidades naturais nos troncos das árvores. 

O gritador-do-nordeste é um pássaro da ordem Passeriformes com aproximadamente 20 centímetros de comprimento. Sua descrição oficial ocorreu neste ano, baseada em registros datados do ano de 2005, em seu hábitat, que é a uma reserva natural nordestina. Houve demora em sua identificação como espécie nova, pois possuía semelhanças morfológicas e comportamentais com o limpa-folha-do-nordeste. 

O limpa-folha-do-nordeste, também pertencente à ordem Passeriformes e família  Furnariidae, descrito há pouco mais de três décadas (1979), teve seu último registro na natureza em 2011. De plumagem com coloração vermelho-tijolo-escura, habitava as matas serranas dos estados de Alagoas e Pernambuco, nos mais altos estratos florestais. Em sua alimentação incluía-se pequenos artrópodes (insetos e aranhas) obtidos de folhas secas e bromélias (estas também se encontram em processo de extinção).

Para tais aves nativas, a redução de seu habitat pela modificação das florestas em pastagens e monoculturas (cultivo de cana-de-açúcar) é a crucial ameaça, assim como o plantio de culturas de subsistência, a exploração de lenha para carvoaria e a prática da caça, são comuns em quase todos os sítios de registro destas espécies. 

As aves são importantes no processo de polinização de flores e dispersão de sementes, atuam no controle biológico, suas fezes fornecem adubos para as florestas e estão incluídas na cadeia alimentar de muitos seres vivos; quando um ciclo é interrompido, ocasiona-se um desequilíbrio ambiental. 

Como medidas preventivas para a cessação da extinção, fazem-se necessárias: uma aplicação rigorosa da legislação ambiental, proteção dos sítios registrados pertencentes às espécies, manejo correto dos fragmentos remanescentes, bom uso do solo e fundamentalmente a prática da conscientização pública, com projetos voltados à educação ambiental e utilização sustentável dos recursos ambientais. Deve-se atribuir a estas importantes atividades, a aplicação da manutenção da biodiversidade, ação elementar da conservação. 

O uso voltado à sustentabilidade dos recursos naturais e de modo responsável, aliado a uma educação e consciência ambientais, poderão um dia diminuir, ou reverter, os impactos negativos advindos da ação humana, tornando o meio que nos cerca dotado de maior equilíbrio. 

 

A preservação do meio ambiente é de extrema importância para a continuação dos ciclos vitais no planeta, para a garantia da existência e da biodiversidade. Afinal, somos todos integrantes de uma grande Mãe, a Natureza. 

Leituras sugeridas

  • Pereira GA. Dantas SM, Silveira LF, Roda SA, Albano C, Sonntag FA, Leal S, Periquito MC, Malacco GB, Lees AC. Threatened birds of northeast Brazil. Papéis Avulsos de Zoologia, 54(14), 2014
  • Galindo-Leal C e Câmara IG. Mata Atlântica: Biodiversidade ameaças e perspectivas. SOS Mata atlântica. Dezembro de 2005
  • Roda AS, Pereira GA, Albano C. Conservação de aves endêmicas e ameaçadas do centro de endemismo Pernambuco. Editora Universitária UFPE. Recife, 2011