Fluorescência: As luzes da escuridão

A descoberta de uma nova espécie de anuros fluorescente abre caminho para o entendimento desse fenômeno e seu papel na comunidade de anfíbios noturnos
Leonardo Guilherme da Rocha
Affonso Orlandi Neto
Paola A. Ayala-Burbano
leog.rocha@outlook.com

A capacidade de comunicação entre indivíduos da mesma espécie é uma característica intrínseca e fundamental tanto para a formação como para a manutenção das relações sociais. Assim, a comunicação entre os animais ocorre quando um indivíduo utiliza sinais especialmente elaborados ou exibições de postura que influenciam o comportamento de outros, como por exemplo: sons, feromônios, movimentos e até mesmo cores. Em um ambiente de floresta noturna, onde a visão é limitada, a fluorescência parece ser uma grande vantagem evolutiva na comunicação entre os indivíduos.

O fenômeno da fluorescência é encontrado em diversos grupos de animais, como em tartarugas marinhas e papagaios. Esse fenômeno é o resultado da interação da luz com pigmentos, substâncias ou estruturas da pele, que absorvem uma luz com comprimento de onda menor, mas com maior energia, e emitem uma luz com comprimento de onda maior, porém com menor energia.

   
                                                                                                                                                                                                           Esquema de um átomo, onde com a incidência de energia luminosa, com comprimento de onda menor, possibilita o salto quântico do elétron para um estado mais energético. Quando o elétron retorna para seu estado de energia basal (original), há a liberação da energia luminosa com comprimento de onda maior que o incidente. (Autoria de Leonardo Guilherme da Rocha e Affonso Orlandi Neto)                                                                                                                                                                                                                                            

Recentemente, um grupo de pesquisadores, liderados por Carlos Taboada, Universidade de Buenos Aires, descreveu pela primeira vez a ocorrência de fluorescência no grupo dos anfíbios. Em geral, a coloração dos anfíbios possui diversas finalidades, principalmente relacionadas com estratégias comportamentais, seja para reconhecimento de espécies, facilitando a identificação de cada espécime, ou como forma de evitar a predação, por meio de mecanismos como mimetismo e camuflagem. Os pesquisadores acreditam que a fluorescência em alguns animais pode apresentar funções de intimidação, pela presença de cores vibrantes, e também comunicação visual, sendo em alguns casos relatado uma ação de antioxidante, agindo em radicais livres presentes nos animais.

 

 
Hypsiboas punctatus, demonstrando o aspecto translúcido da pele com iluminação branca e a fluorescência após a incidência de uma luz de comprimento de onda menor (espectro azul). Fonte: PNAS, doi/10.1073/pnas.1701053114   

Dentre os anfíbios que apresentam fluorescência, a espécie sul-americana Hypsiboas punctatus possui características próprias que a difere da maioria dos anfíbios descritos, destacando-se pele translúcida, uma camada contendo cristais de guanina no peritônio e na bexiga, e uma alta concentração de biliverdina (pigmento biliar produzido do catabolismo do grupo heme) na linfa e nos tecidos. A origem química da fluorescência nessa espécie foi atribuída a uma classe de compostos fluorescentes conhecidos como Hyloin (L1, L2 e G1) presentes na linfa. Embora o espectro UV-Verde seja emitido somente pela pele com a linfa, acredita-se ser o principal espectro relacionado com a comunicação visual dessa espécie.

Sete famílias de anfíbios (Arthroleptidae, Centrolenidae, Hemiphractidae, Hylidae, Hyperoliidae, Mantellidae e Rhacophoridae) possuem espécies com características similares a  H. punctatus ou seja, pele translúcida, camada cristalina no peritônio e na bexiga e uma alta concentração de biliverdina na linfa e nos tecidos. Os pesquisadores acreditam que estas três características podem ser tomadas como indicadores de ocorrência potencial de fluorescência, embora apenas a pele translúcida e a linfa subcutânea sejam, em conjunto, relevantes para a emissão da fluorescência.

Embora o sistema de visão de H. punctatus ainda é pouco conhecido, duas classes de haste da retina envolvidas na visão escotópica noturna (visão produzida pelo olho em condições de baixa luminosidade) têm sido identificadas em várias espécies de anfíbios, particularmente, na espécie Hyla cinerea (Hylidae). Os autores argumentam que nessa espécie a visão escotópica noturna é máxima no comprimento de onda do azul (435 nm, sigla de nanômetro – medida que equivale a milionéssima parte do milímetro) e do verde (503 nm). Assim, para eles, há uma relação muito próxima entre o espectro da visão escotópica com o de emissão de fluorescência (verde) em H. punctatus, sugerindo que a fluorescência nesta última deva estar relacionada a comunicação visual desses animais. Nesse sentido, a fluorescência pode ser considerada uma nova forma de coloração, extra cromática, sendo um componente importantíssimo para, principalmente, a comunicação entre os indivíduos da espécie H. punctatus em um ambiente de iluminação reduzida.

Considerando que H. punctatus é uma espécie crepuscular e noturna, os autores avaliaram o quanto que a fluorescência contribuiria para a iluminação do animal e concluíram que esse fenômeno contribui com cerca de 18% numa noite de lua cheia a 29% numa noite sem o brilho da lua. Os autores concluem que estes estudos abrem uma perspectiva muito interessante para novas abordagens que busquem compreender os aspectos evolutivos, genéticos e moleculares associados à fluorescência e sua relevância para a comunicação visual e biologia dos anfíbios.

 

Leituras sugeridas

  • Yovanovich CAM, Koskela SM, Nevala N, Kondrashev SL, Kelber A, Donner K. 2017 The dual rod system of amphibians supports colour discrimination at the absolute visual threshold. Phil. Trans. R. Soc. B 372: 20160066. http://dx.doi.org/10.1098/rstb.2016.0066
  • Taboada C., Brunetti A.E., Pedron F.N., Carnavale Neto F., Estrin D.A., Bari S.E., ... Faivovich, J. 2017. Naturally occurring fluorescence in frogs. Proceedings of the National Academy of Science, United States of America 114:3672–3677. doi:10.1073/ pnas.1701053114
  • Robertson, J. M., and H. W. Greene. 2017. Bright colour patterns as social signals in nocturnal frogs. Biological Journal of the Linnean Society 121:849-857