Armas na luta contra o câncer

Como a medicina tem lidado com essa doença e buscado formas de tratamento, desde as técnicas mais antigas até as que ainda estão sendo testadas
Camila Candido
cacandido90@gmail.com

DOI: 10.4322/temasbio.n2.017

 

Estamos acostumados a pensar que agentes que invadem nosso corpo, como vírus e bactérias, podem nos causar problemas graves. Mas com o câncer a questão é um pouco diferente: são células do nosso próprio organismo que começam a se proliferar descontroladamente e passam a prejudicar o funcionamento dos nossos órgãos ou mesmo dos sistemas como um todo. Esse descontrole ocorre devido a mutações genéticas ou perda de genes importantes no controle da divisão celular, o que pode acontecer de maneira aleatória, estimulada pelo envelhecimento ou por fatores ambientais chamados de agentes cancerígenos. Ou seja, ninguém está livre de desenvolver essa doença, que atinge milhões de pessoas no mundo.  Daí a importância da busca por tratamentos cada vez mais eficientes em seu combate.

  Origem das células cancerígenas e formação do câncer.                                             Fonte: http://www.ihoba.com.br/orientacoes-ao-cliente/o-cancer/

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2013, 14 milhões de pessoas foram diagnosticadas com câncer e há estimativas de que esse número aumente a cada ano devido a mudanças de hábitos e exposição cada vez maior a agentes cancerígenos. Em 2013 7,6 milhões de pessoas morreram de câncer e acredita-se que em 2030 esse número possa chegar a 12 milhões.

 

O câncer é uma das doenças com maior incidência de morte no mundo. No Brasil, ele acomete cerca de 520 mil pessoas por ano, sendo a  terceira maior causa mortis  . Os tipos mais comuns de câncer atingem o  pulmão, mama, colo de útero, próstata, intestino, pele e estômago. O diagnóstico precoce aliado a modernos tipos de tratamentos, no entanto, tem possibilitado a cura de milhões de pessoas.  O investimento de esforços para o desenvolvimento de novas terapias trás a possibilidade de cura efetiva.

 

É comum tratarmos como sinônimo os termos câncer e tumor. Entretanto, nem todo tumor se constitui em câncer, apesar de todo câncer se constituir em um tumor. 

 

Os tumores são qualquer aumento de volume em uma região específica de nosso organismo, causado pela proliferação descontrolada de células. Nos tumores benignos, o crescimento celular é mais lento e normalmente não há invasão de células tumorais em outros locais. Já nos tumores malignos, também chamados de câncer, há crescimento rápido e capacidade de invasão para outros órgãos, a qual em geral agrava os sintomas da doença uma vez que compromete o funcionamento de outros órgãos. A metástase consiste nessa capacidade que as células cancerígenas possuem de atingir outros órgãos. Nesses casos, os tratamentos devem atuar em diferentes células e tecidos, o que em geral os torna mais complexos. 

 

 

Os tratamentos clássicos

 

A evolução em áreas como bioquímica, genética, farmácia e medicina tem possibilitado a cura de muitas doenças, que no passado eram tidas como incuráveis. Em relação ao câncer, entretanto, apesar de avanços significativos em sua terapêutica, sua cura é dificultada devido ao fato de que é mais difícil combater células de nosso próprio corpo do que células de um organismo invasor, por exemplo, que tenha estrutura, funcionamento e genes diferentes dos nossos. Por isso, nos tratamentos tradicionais contra o câncer, como a quimioterapia e a radioterapia, algumas células saudáveis são também afetadas, o que ocasiona diversos efeitos colaterais.

 

A ação da quimioterapia e radioterapia  se baseia no fato das células cancerígenas, por serem produzidas em períodos mais curtos, apresentarem estruturas mais frágeis do que a da maioria das células do organismo. Portanto, o objetivo desses tratamentos é submeter às células do organismo a situações de estresse que sejam suficientes para destruir as células tumorais, afetando o mínimo possível as demais células do organismo.

 

Na quimioterapia, medicamentos que destroem e/ou inibem o crescimento ou a divisão das células são injetados por via venosa ou ingeridos por via oral. Esses medicamentos, ao chegarem à corrente sanguínea, são distribuídos por todo o corpo com a intenção de que eles danifiquem primeiramente as células cancerígenas. Sua eficiência é maior em células com alta taxa de divisão, tendo baixa eficácia em tumores de crescimento mais lento e delimitado. De acordo com o Instituto do Câncer (INCA), o primeiro medicamento quimioterápico que se tem notícia foi desenvolvido a partir do gás mostarda ao longo da 2ª Guerra Mundial, sendo que seu uso com finalidade médica foi descrito pela primeira vez em 1946.

 

Diversos outros quimioterápicos foram e vem sendo produzidos desde então. Ao afetarem células sadias do organismo, esses medicamentos, no entanto, podem causar uma série de efeitos colaterais, como aumento da suscetibilidade a infecções, inflamações em mucosas, diarreia, fraqueza, náuseas, vômitos e queda de cabelo. Cessada sua administração estes sintomas deixam de existir. A quimioterapia é um tratamento que pode ser único ou complementar a outras técnicas, e pode ser realizada antes ou depois de uma intervenção cirúrgica.

 

Já na radioterapia, o mecanismo de ação são as radiações ionizantes que, ao serem aplicadas em uma região delimitada, destroem as células ali localizadas. Essas radiações causam a destruição das moléculas que compõe as células, levando-as à morte. Ainda em 1895, segundo a página do Instituto de Radioterapia São Francisco de Belo Horizonte (MG), Pierre e Marie Curie, casal ganhador do prêmio Nobel de Física de 1903, desenvolveram um equipamento que emitia radiações que pode ser utilizado no tratamento de tumores.

 

A radioterapia é um tratamento muito utilizado e de ação local, que visa destruir possíveis células cancerígenas presentes em determinada região, surtindo melhores efeitos em casos não invasivos em que ainda não ocorreu o processo de metástase. Pode ser utilizado também em casos pós-cirúrgicos, a fim de impedir que possíveis células cancerígenas restantes sobrevivam no organismo. Dentre os efeitos colaterais dessa técnica estão leves irritações na pele, inflamações das mucosas e queda de pelos nas áreas atingidas.

 

Outra técnica que pode ser utilizada no tratamento de alguns tipos de câncer, como o de mama e o de próstata, é a hormônio-terapia. Os hormônios são substâncias químicas que transmitem informações para determinadas regiões de nosso corpo, coordenando seu funcionamento. Os hormônios sexuais, representados pela testosterona nos homens e pelo estrógeno e progesterona nas mulheres, atuam em diversas regiões do corpo, mas têm funções mais acentuadas nos órgãos sexuais. A redução das taxas hormonais causada por medicamentos que inibem a produção ou a ação desses mensageiros químicos em nosso organismo propicia uma diminuição nas taxas de divisão celular nesses órgãos-alvo, diminuindo, consequentemente, o avanço de cânceres nessas regiões.

 

De acordo com Moura Leite Netto, assessor de comunicação do Hospital do Câncer A.C. Camargo de São Paulo, não existe um tipo de tratamento mais indicado ou melhor. Tudo depende do local onde o câncer está, do nível de abrangência e gravidade do caso e das demais condições de saúde do paciente. Muitas vezes, tratamentos diversos podem ser aliados para garantir uma chance de cura maior. E quanto mais cedo o quadro é descoberto, mais eficientes são os tratamentos e mais fácil é a eliminação do problema. A radioterapia e a quimioterapia, aliadas a extração cirúrgica, continuam sendo as técnicas mais utilizadas e disponíveis nos centros públicos de saúde.

 

Tecnologias recentes nos tratamentos

 

Devido aos efeitos colaterais relacionados às técnicas tradicionais,  pesquisas recentes tem buscado mecanismos mais específicos, que afetem de maneira mais direta apenas as células cancerígenas.

 

Em nosso organismo, existem algumas células chamadas de glóbulos brancos que são responsáveis pela nossa defesa. Algumas dessas células são responsáveis por monitorar nossas próprias células e destruí-las caso apresentem algum tipo de anomalia grave, como é o caso das cancerígenas. Nas pessoas que desenvolvem o câncer, esse sistema de defesa é falho e permite a sobrevivência e proliferação dessas células defeituosas, que geram o câncer. Baseando-se nesse princípio, a técnica de imunoterapia envolve medicamentos que estimulam essas células de defesa, na tentativa de que elas ajam de maneira mais intensa e destruam as células cancerígenas já presentes. As informações disponíveis na página da internet do Instituto do Câncer, ressaltam, porém, que essa técnica ainda é experimental, e que muitas pesquisas ainda deverão ser realizadas para que a mesma possa ser utilizada como tratamento efetivo na cura para o câncer. 

 Glóbulos brancos atingindo célula cancerígena.                                                      Fonte: http://blog.shopfisio.com.br/wp-content/uploads/2012/06/mi_8585033019269927.jpg

 

Outra técnica atual consiste no uso de anticorpos monoclonais, ou seja, substâncias que agem destruindo um tipo específico de molécula ou organismo. Muitos glóbulos brancos reagem produzindo anticorpos específicos para o combate de um determinado tipo de agente estranho ao nosso corpo. Nessa técnica, chamada também de imunoterapia passiva ou terapia-alvo, a intensão é produzir em laboratório anticorpos que reajam contra receptores específicos das células cancerígenas e administrar em pacientes para o combate do câncer. Sua principal vantagem é que sua ação se restringe às células cancerígenas, reduzindo efeitos colaterais e ampliando a eficiência do tratamento.

 

Anticopos monoclonas atacando uma célula cancerígena.                                         Fonte: http://www.nytimes.com/pages/health/index.html.

 

 

 

 

 

Em setembro de 2014, a Revista FAPESP, divulgou um artigo descrevendo avanços importantes obtidos  pela equipe liderada pelo pesquisador Ragnar Hultborn, de Gotemburgo na Suíça em colaboração com pesquisadores brasileiros. Estes estudos demonstraram a eficiência do uso de anticorpos monoclonais no tratamento do câncer, através da identificação de um tipo específico de anticorpo capaz de atingir células cancerígenas de ovário, e agir como míssil, causando sua total destruição. Ainda são necessários, no entanto, estudos para identificar os receptores dos diversos tipos de células cancerígenas e anticorpos que atuarão sobre eles. Apesar disso, esses resultados já estão em fase de teste em humanos e poderão contribuir enormemente para o avanço no tratamento desse tipo comum de câncer, o qual apresenta alta taxa de mortalidade.

 

Uma outra alternativa advinda das recentes descobertas na área da genética e da biotecnologia, é a terapia gênica. Muitas técnicas para tratamento e cura de doenças vêm sendo desenvolvidas, baseadas no uso dessa abordagem. Na terapia gênica, vírus são usados como vetores para inserir genes (que contenham informações relacionadas à ação que se deseja promover) em células específicas. Ao se expressarem, esses genes produzem proteínas com ações benéficas, que tenham algum efeito sobre a doença. No caso da terapia gênica contra o câncer, são utilizados genes com ações de supressores tumorais, que ocasionam a destruição dessas células, ou genes que estimulam os glóbulos brancos que atuam no combate das células tumorais. No Laboratório de Biofísica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por exemplo, há uma linha de pesquisa que visa desenvolver técnicas de terapia gênica que promovam a apoptose, ou seja, a morte, das células cancerígenas, sem afetar células sadias. Entretanto, tal técnica ainda está em faze experimental e ainda são necessárias pesquisas que identifiquem genes relacionados ao desenvolvimento do câncer, e as  formas de controle dos vírus e da expressão gênica.

Esquema representando um vírus entrando na estrutura celular  e inserindo genes, incluindo os de interesse, no núcleo de uma  célula.                       Fonte: Royal Society of Chemistry, 1993.

 

No Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, a equipe liderada pelo professor Valtencir Zucolotto tem realizado pesquisas com nanopartículas que podem ser utilizadas no diagnóstico e tratamento do câncer. As nanopartículas são partículas extremamente reduzidas, menores até mesmo que um vírus. Atualmente elas vem sendo utilizadas em procedimentos que envolvem o uso de tecnologia de ponta, devido às suas propriedades específicas. Estas pesquisas permitiram  o desenvolvimento de nanopartículas de ouro ligadas a uma proteína chamada Jacalina, que têm alta afinidade a receptores de células de medula óssea que apresentam leucemia. A adesão dessas nanopartículas a células cancerígenas pode facilitar a visualização dessas células, caso se conjugue às nanopartículas moléculas fluorescentes. O combate da doença também pode ser viável se aderirmos medicamentos a essas nanopartículas. Resultados positivos já foram alcançados em testes com culturas celulares em laboratório. Porém estas nanopartículas ainda precisam ser testadas em seres vivos. Essa tecnologia pode ser uma forma eficiente para em um futuro próximo administrar medicamentos quimioterápicos mais seletivos e ativos.

Nanopartículas (verdes) atingindo uma célula cancerígena e direcionando um medicamento. Fonte: http://www.ebiotecnologia.org/2012/07/gel-de- nanoparticulas-um-novo.html

 

 

 

Como vimos acima, várias pesquisas tem sido realizadas com o objetivo de desenvolver técnicas novas para a terapêutica do câncer.  Uma vez demonstrada a eficiência dessas abordagens, estas poderão contribuir para a cura de milhões de pessoas que ainda hoje são vítimas fatais dessa doença tão temida.. Daqui a alguns anos, vislumbra-se a possibilidade de tratamentos mais seguros,  que minimizem ou eliminem totalmente os indesejáveis efeitos colaterais, e garantam  maiores chances de cura.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

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