Agroquímicos e seus efeitos sob corpos d’água

Agroquímicos acabam por atingir organismos não-alvo como corpos d’água, causando impactos ambientais
Ana Paula Muniz Cantamessa
ana.cantamessa@hotmail.com

A indústria de agroquímicos surgiu após a Primeira Guerra Mundial, porém o seu uso foi de fato difundido nos Estados Unidos e na Europa após a Segunda Guerra Mundial. O uso desses produtos é recorrente entre os agricultores, causando a alteração da fauna e da flora com o intuito de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos. 

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em uma pesquisa feita em 2008, dada sua alta produtividade agrícola, o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. De acordo com os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), os agrotóxicos mais utilizados no Brasil são os herbicidas, que perfazem mais de 50% do total, seguidos pelos inseticidas, fungicidas e acaricidas. O amplo uso de herbicidas está associado às práticas de cultivo mínimo e de plantio direto no Brasil, técnicas agrícolas que usam mais intensamente o controle químico de ervas daninhas. O principal ingrediente ativo de herbicidas mais utilizados no Brasil é o glifosato.

A pesquisadora Venturini relatou que os estudos que abordem as concentrações de agroquímicos que podem causar prejuízos aos organismos aquáticos, principalmente os não-alvo, podem ser úteis no monitoramento da qualidade de água, além de promoverem o uso consciente de tais produtos. A regulamentação de águas e dos limites aceitáveis de compostos tóxicos é realizada, no Brasil, pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente. No entanto, muitas legislações estão desatualizadas e não acompanham o desenvolvimento da agricultura nacional.

Entre os agrotóxicos, há diversos tipos atualmente usados na agricultura brasileira: os organoclorados, organofosforados, carbonatos, piretróides e neonicotinoides.

Os piretróides fazem parte dos inseticidas naturais e são os mais usados atualmente, sendo obtidos da trituração de flores da espécie Chrysanthemun sp., ou crisântemo em seu nome popular. Estes compostos foram sintetizados através de pesquisas que tinham como objetivo modificar a estrutura química das proteínas naturais, dado que estas são altamente instáveis quando em contato com a luz. Assim, os piretróides sintéticos têm como características maior estabilidade à luz e calor, menor volatilidade, capacidade letal a insetos e propriedades químicas e físicas superiores, propriedades que despertaram os interesses de cientistas. Dessa forma, diversos estudos têm sido conduzidos para avaliar a toxicidade destes produtos a organismos alvo e não-alvo.  

Essa classe de agrotóxicos é, atualmente, uma alternativa ao uso de inseticidas persistentes como organofosforados e organoclorados, pois apresentam baixa toxicidade em mamíferos, baixo impacto ambiental, são efetivos contra um largo espectro de insetos e são necessárias baixas concentrações para que exerçam sua ação. Apesar de serem pouco tóxicos a mamíferos e aves, são altamente tóxicos aos organismos aquáticos. Os piretróides mostram-se letais aos peixes em concentrações muito baixas, de 10 a 1000 vezes menores que os valores letais a outros animais, como aves e mamíferos.  Estes compostos são neurotóxicos. Um dos meios em que pode haver contaminação do solo é através da lixiviação, onde ocorre contaminação das águas subterrâneas, fazendo com que essas substâncias tóxicas cheguem aos aquíferos.

Quando esses meios são atingidos por esses resíduos tóxicos, os seres mais afetados são os anfíbios, peixes, crustáceos, moluscos e insetos. Isso resulta em mais um meio de intoxicação para os humanos, pois muitos desses organismos são fontes de alimento. A contaminação aquática tem se tornado um grande problema de ordem ambiental, visto que esse ambiente age como receptor de contaminantes provenientes de diversos usos. Os peixes e invertebrados podem acumular uma maior quantidade de agrotóxicos do que a encontrada no meio em que eles vivem, pois pode haver uma ligação entre o material particulado em suspensão. 

Dado que a maioria dos agroquímicos atua principalmente no sistema nervoso central, atividades de organismos não-alvo, como peixes e crustáceos, que dependem do funcionamento adequado desse sistema, podem ser prejudicadas. Essas atividades incluem a procura por alimento e abrigo, a fuga de predadores, comportamentos de corte, entre outros. Portanto, a contaminação do ambiente aquático pode promover riscos às populações de determinadas espécies, interferindo na cadeia trófica.

Para controlar os impactos ambientais que são causados devido ao uso constante de agrotóxicos, testes de ecotoxicologia são feitos, como testes de toxicidade crônica (avaliam os efeitos adversos resultantes de uma exposição prolongada), toxicidade aguda (avaliam os efeitos severos sofridos pelos organismos decorrentes de um curto período de exposição), bioacumulação, testes fisiológicos e comportamentais. O objetivo desses testes é averiguar os efeitos provocados a médio e a longo prazo, sendo que esse tipo de controle se faz necessário para que uma exposição prolongada não cause impactos negativos maiores do que o esperado, pois a toxicidade da água nem sempre depende de uma única espécie química, mas sim de uma interação entre condições físicas e químicas. Se um estresse dura tempo suficiente para levar à morte uma população de organismos, afetando as taxas de crescimento e de reprodução e impedindo o recrutamento de novas espécies, ela é então capaz de alterar a estrutura da comunidade, um mal irreparável.

 

 Leituras sugeridas

  • Montanha, F.P., Pimpão, C.T. Efeitos toxicológicos de piretróides (Cipermetrina e deltametrina) em peixes. Janeiro/2012.
  • Venturini, F.P., Moraes, F.D., Cortella, L.R.X., Rossi, P.A., Cruz, C., Moraes, G. Metabolic effects of trichlorfon (Masoten®) on the neotropical freshwater fish pacu (Piaractus mesopotamicus) Fish Physiol. Biochem. DOI 10.1007/s10695-014-9983-y, 2014.